sexta-feira, 1 de maio de 2015

Uma carreira de sucesso

Ser um profissional de sucesso, a minha história profissional, em vez de um livro publico aqui para dividir com todos a minha experiência.


A minha história profissional fora da área da aviação começou devido ao meu falecido pai, Filipe Simões, um baixinho arretado para o trabalho e muito inteligente. Se ele tivesse tido oportunidade de estudar teria sido um profissional muito mais reconhecido do que foi realmente. Tinha ideias para os problemas na profissão que me deixavam orgulhoso, resolvia os “pepinos” com maestria, conhecia tudo sobre mecânica, fazia cálculos de cabeça que eu nem com a calculadora fazia.

Eu estava começando o meu curso universitário de Engenharia Industrial Mecânica devido muito às experiências vividas com o meu pai e com o meu também já falecido irmão que era engenheiro mecânico, formado na Faculdade Industrial de Luanda, Angola. Outro também muito inteligente para a área profissional. Não tinha como não ser influenciado e como, pelos dois. Na minha casa havia sempre um anexo com um enorme armário com todas as ferramentas possíveis onde os dois viviam criando coisas e consertando outras. Chegaram uma vez a desmontar um carro inteiro, reformando o mesmo com pintura e tudo. Para eu cursar a universidade particular o orçamento da nossa casa não daria. Havíamos perdido tudo ao sair de Angola e vir para o Brasil. A família estava começando do zero e os meus pais queriam que eu tivesse uma boa faculdade. Eu tinha condições de passar no vestibular do ITA, Instituto de Tecnologia Aeronáutica, afinal o meu sonho era cursar Engenharia Aeronáutica já pensando na Embraer. Contudo não podia cursar lá, pois ainda não tinha a igualdade de direitos no Brasil e no ITA só brasileiro nato pode cursar. Passei em outros vestibulares, mas preferi ficar em Santos mesmo, na Universidade Santa Cecília. Boa universidade, professores bons, a maioria, na época, também professores da FEI, Faculdade de Engenharia Industrial em São Paulo. Também tinha a minha casa em Santos, meus amigos, minha namorada e futura esposa. Fiquei lá mesmo e não me arrependi, aprendi muito e fui ótimo aluno. As aulas eram à noite das 19:00 às 22:00 e sábados o dia inteiro. Eram seis anos de curso dividido em semestres e só perdi um semestre. Sempre com notas boas me dediquei ao estudo, afinal cabe ao aluno se tornar um bom profissional independente da universidade, ela lhe dá as ferramentas e o seu uso depende da vontade do aluno.

Porém para pagar a universidade eu precisava trabalhar. Os meus pais não tinham condições. O meu pai era encarregado de mecânica de manutenção em uma empresa de navegação multinacional, a Netumar a qual possuía 7 navios de grande porte para transporte de containers. Ele era responsável por coordenar uma equipe de mecânicos, caldeireiros, soldadores e eletricistas que faziam a manutenção dos navios envolvendo tudo incluindo os enormes motores principais, mastros, reparos no casco e convés, porões, etc.
O  meu pai era bem quisto pelos diretores da empresa Netumar pelos problemas que ele solucionava economizando fortunas. Numa conversa ele lhes pediu sobre eu ser contratado e assim comecei a minha carreira. Como fazia a universidade também aos sábados, eu não podia trabalhar nesses dias e a empresa trabalhava até às 12:00. Foi combinado que eu faria apenas uma hora de almoço em vez de duas para compensar o sábado. Comecei a trabalhar como ajudante de caldeireiro e soldador no pátio de containers marítimos da empresa. Eu tratava de toda a documentação, fechamento das OS (Ordens de Serviço da manutenção desses containers), pintava os reparos feitos pelos caldeireiros e soldadores. Também pintava as identificações dos containers (matrículas), buscava materiais para os funcionários, enfim, fazia de tudo um pouco.  

Como era um pouco mais estudado e já tinha perfil de liderança comecei a me destacar e a dar recomendações nos serviços. Comecei também a aprender caldeiraria, traçando, cortando com maçarico, soldando com vários processos (oxi-acetileno, eletrodo revestido e mais tarde até com MIG). Trabalho pesado. Tinha que vestir avental de solador, luvas de raspa e soldar dentro do container com o sol da baixada santista por fora, uma verdadeira sauna. Outras vezes tinha que bater marreta para desamassar os painéis dos containers, até fazia eco dentro do container. Isto também começou a comprometer depois a precisão na soldagem, mão tremendo um pouco.

Conforme você vai se destacando, ciúmes começam a brotar e ainda mais comigo que havia sido recomendado pela diretoria da empresa. O gerente da oficina começou a me perseguir querendo inclusive me cortar porque não trabalhava ao sábado, o que já havia sido acordado antes. Mas com conversa se acertou tudo. Com o meu esforço e reconhecimento da empresa virei encarregado do pátio de containers e inspetor de containers. Seguindo requisitos mundiais, já que os containers são alugados a níveis internacionais. Eu inspecionava os containers com esses requisitos. Cheguei a fazer um curso de inspeção nesses equipamentos.  

Como encarregado da oficina participei da construção de uma nova oficina a qual possuía até jato de granalha de grande porte e podíamos construir um container naval novo. Cortava com maçarico, soldava ajudando. Aprendi muito no processo de corte e solda e na administração da oficina.

Um dia eu estava em cima de um container observando uma solda quando vi um funcionário puxando o carrinho de solda oxi-acetileno por entre os outros containers e eu sabia que ali não havia serviço de solda. Fui por cima dos containers o seguindo. Ele parou, tirou o maçarico, o acendeu e, para meu espanto, passou a chama sobre a perna queimando a calça e a perna. Desci, fui para a minha sala e esperei. Não deu outra, ele apareceu pedindo afastamento médico, que havia sofrido acidente de trabalho. Claro, o demiti por justa causa.

 Outra vez dois entraram em briga por causa de mulher. No porto de Santos os funcionários eram na maioria desse tipo, faca na cintura. Uma vez entrevistei uma moça para faxineira da oficina e ela se apresentou toda sexy, mas nem iniciou o processo. Selecionei uma senhora mais velha, imaginem as brigas que aconteceriam na oficina.

Ganhava também experiência na prevenção de acidentes através da realidade. Uma empilhadeira carregava um container só que em vez de se mover de ré, se movia para a frente e com ele no alto. Um colega passava pela frente quando o container balançou e quebrou a chapa onde entrava uma das patolas (garfos) da empilhadeira. O container virou e caiu em cima do colega esmagando as duas pernas. Outro acidente, este ao meu lado, envolveu outro colega que estava no teto de um container. O guindaste levantava outro container de 40 pés, o maior e, sem usar as patolas para ajuda-lo, começou a tombar. O colega viu o container vindo para cima de si e pulou de cima do container onde estava, mas o outro ainda pegou o seu braço o esmagando. Caiu de cima do container com o braço em pedaços e eu vi tudo. Para o inicio da carreira já eram péssimas lições. Tanto que aceitei logo ser da CIPA, Comissão Interna de Prevenção de Acidentes, para ajudar a melhorar a prevenção de acidentes. Um dia eu estava dentro do container com as portas fechadas para teste de estanqueidade. Sempre ficava sozinho, mas nesse dia um ajudante que desamassava um painel ficou lá dentro também. Avisei que ficasse quieto já que eu conhecia bem por dentro, no escuro. Com a marreta na mão, ele resolveu mudar de lado e eu andando dentro do container acertei em cheio a testa na marreta desmaiando na hora e com a testa sangrando.

Normalmente nos fins de semana chegavam os navios, já que os marinheiros queriam aproveitar o fim de semana em terra. Como o custo da atracação era caríssimo o navio tinha de ficar o menos tempo possível no porto. Nós recebíamos no pátio tipo 800 containers para inspecionar. Chegava uma carreta atrás da outra. As empilhadeiras levantavam o container e eu já iniciava a inspeção verificando a estrutura por baixo. Quando era colocado no chão eu entrava nele, o meu ajudante fechava a porta e no escuro total eu conseguia verificar a existência de furos, rasgos, abertura nas borrachas das portas, etc. Saía, abria uma OS e direcionava aquele container para a oficina, para as pilhas no pátio, etc. Se era um container bom já o escolhia para café, para a automobilística, para cargas em geral, etc. enviando para as respectivas pilhas de containers. Chovesse ou fizesse sol era trabalho pesado. E quando eu estava em provas na universidade era pior. Entre cada caminhão entrando no pátio, uns 10 min, eu pegava o caderno, estudava e o largava novamente para a próxima chegada. Quando acabava o descarregamento do navio ficava mais tranquilo, mas vinham os containers para reparo e liberação para o próximo navio.

 Almoçava uma marmita fria, por isso aprendi a não gostar de comida quente, virei boia fria para sempre. Às vezes usávamos uma estufa de eletrodos para esquentar a comida, mas eu fazia pouco isso.   

O pátio dos containers era na Alemoa, Santos, no meio de uma favela. Às vezes eu ia a uma birosca, um boteco, que havia ali para tomar algum refrigerante e sempre encontrava traficantes do local, arma na cintura. Mantínhamos o respeito mútuo, conversávamos. Inclusive recebi proposta de ajuda caso precisasse com algum inimigo meu. Claro que nunca precisei desse apoio.

Um dia um colega da universidade me disse que uma empreiteira que trabalhava na Cosipa, Companhia Siderúrgica Paulista, estava contratando profissionais. Era a grande chance de entrar na indústria. A Cosipa era estatal e não havia concurso aberto, logo poderia entrar lá via uma empreiteira. Fui ao canteiro da empresa lá dentro da Cosipa para ser entrevistado pelo engenheiro residente e logo fui aprovado como auxiliar técnico. Agora era funcionário da Enesa Engenharia. Eu era a interface da Enesa com a Cosipa no planejamento de grandes paradas. Por exemplo, iria ter uma parada de Alto-Forno, ou Laminação, ou Aciaria. A Enesa deveria cuidar de uma parte da parada. Eu deveria planejar mão de obra, máquinas de solda, carrinhos de maçaricos, ferramentais, devia colocar tudo isto, na véspera, nos locais certos, acompanhar a obra toda incluindo reuniões de “follow-up” com o contratante, Cosipa, seguindo um cronograma diário. Trabalhávamos na usina inteira o que me ensinou muito sobre uma indústria.

Trabalho pesado, respirando BTX, Benzeno, Tolueno e Xileno que dá a leucopenia, o mortal gás de Alto Forno, calor excessivo dos fornos, pó de ferro nos pulmões, acidentes constantes como, por exemplo, um funcionário que caiu de mais de 45 metros na Aciaria 1 ao meu lado ao soltar o cinto de segurança para se locomover lá na estrutura (não usava cabo guia) ficando todo desfigurado.

O trabalho numa usina siderúrgica deve ser levado muito a sério, seguir todos os padrões de segurança.

Enfim, eu era um peão de obra mesmo e aprendi muito com isso. Nas sextas-feiras eu efetuava o pagamento de todo o mundo e isso era muito duro. Era ameaçado até de morte. Nesse dia o funcionário recebia a cartela de vales refeição para comer na semana seguinte nos diversos refeitórios espalhados pela Cosipa. Se o mesmo faltasse um dia ele deveria ter um vale sobrando. Logo na sexta seguinte ele recebia um vale a menos. Só que eles costumavam vender os vales que sobravam e eu controlava isso. Logo eles ficavam sem almoçar e querendo me matar, mas estavam fazendo coisa errada e eu fazia o meu trabalho. Outras vezes eu ia aos outros canteiros das outras empreiteiras para procurar máquinas de solda nossas roubadas nas paradas da Cosipa. Tínhamos umas identificações escondidas e eu conseguia recuperar todas.
 
Uma vez, outra empreiteira pegou uma máquina de solda e a colocou na sua ambulância e saiu pela portaria com a sirene ligada. Nesses casos as portarias não paravam a ambulância para verificação. Deram azar porque ao lado parou um caminhão e o motorista viu pela janela a máquina de solda dentro da ambulância como paciente e deu o alarme. Multa pesada para a empreiteira.

Estava me destacando e tive a informação do engenheiro residente (gerente da empreiteira dentro da Cosipa) que eu seria o seu substituto, que ele gostava muito do meu trabalho, mas precisava me formar primeiro.

Um dia o sindicato das empreiteiras provocou uma greve. Todos os dias eu vinha de Santos para o Cubatão no ônibus da empresa, parávamos na praça da cidade e ali era feita uma assembleia para decidir o que fazer. Um dos dias eu fui a São Paulo resolver um assunto e não vi o aviso que foi colocado nos ônibus avisando que quem não fosse trabalhar no dia seguinte seria demitido. Dia seguinte peguei o ônibus e desci na praça como anteriormente e sem querer entrei na lista de corte. O engenheiro residente me chamou no canteiro da empresa e me disse que todos estariam numa lista negra que correria pela Cosipa e pelas empreiteiras que lá trabalhavam, mas que ele gostava de mim e que sabia que eu não era metido em greves e sindicatos. Não estaria na lista, mas a demissão não tinha como reverter. Procurei o sindicato e eles disseram que nada podiam fazer. Provocaram a confusão e depois pularam fora. Nunca mais gostei de sindicalistas, virei adversário fervoroso dessa turma.

Procurei emprego e, umas duas semanas depois, eu vinha de uma entrevista em São Paulo e passei na porta de uma pequena empresa que ficava no térreo de um prédio em Santos. Era a BM Motores Marítimos. Eles compravam motores rodoviários Mercedes Benz de 4 e 6 cilindros e os adaptavam para embarcações adicionando inter e after coolers, redutora de velocidade para colocação de hélice de acionamento, produziam a própria rabeta, na qual vai a hélice, modificavam o eixo comando de válvulas para alterar a potência, modificavam o turbo-compressor, etc.

Entrei no escritório e me apresentei para a sócia proprietária, a Nina Bartel. Eram dois irmãos e uma irmã (os Bartel que, inclusive tinham uma retifica no nome deles em Santos) em sociedade com um engenheiro oriundo da Petrobrás chamado Mondelo. Ele que fazia todos os projetos para as lanchas, iates, etc. A Nina reconheceu o nome Lagarinhos devido ao profissionalismo do meu pai e meu irmão e logo me contratou como mecânico.

Era um trabalho duro, vivia me queimando nos motores quentes, tinha de entrar em porões apertados das lanchas e balançando com o mar, vivia sujo de graxa. Mas foi um dos melhores trabalhos que tive até hoje. Fazia as revisões das lanchas e iates nos iates clubes, descia as mesmas para a água e depois as testava. Passeava bastante. Pilotava todos os tipos. Viajava o litoral todo revisando lanchas e iates.

Um dia o Mondelo foi vender uma lancha e me levou para dar uma geral nela antes. Revisei os dois motores, juntas, braçadeiras devidamente apertadas, correias com a tensão correta, óleo e filtros trocados, graxa nas homo cinéticas das duas rabetas, etc. Tudo ok, menos um dos turbos compressores que não teve os parafusos de fixação apertados. O Mondelo pegou o cliente e saiu com a lancha do iate clube de São Vicente. Passou embaixo da ponte pênsil, foi até perto da Ilha Porchat e voltou com toda a velocidade. A lancha saía da água que estava calma, querendo voar. De repente uma fumaceira começou a sair do porão dos motores. Ele encostou a lancha, desceu muito bravo e me mandou verificar. Parafusos soltos, o gás de escape saiu por ali queimando a junta. Motores quentes no peito e chuva fina nas costas, uma sexta-feira de manha. Tirei o compressor, raspei a junta e montei tudo de novo e ele vendeu a lancha. No dia seguinte eu começava a ter uma pneumonia...

Outra vez me esqueci de apertar uma braçadeira de uma mangueira de água de refrigeração de um dos motores da lancha de competição da empresa na corrida de “offshore”. Ela em primeiro na corrida e já perto do final a mangueira se soltou e o motor superaqueceu por falta de água de refrigeração. Como escutei o homem muito bravo e dizendo que não fosse eu, que ele gostava, me punha na rua. Mais experiência. Como estava aprendendo tanto na vida profissional.

Desmontava um motor Mercedes, fazia as alterações, levava para dinamômetro onde fazia testes. Fazia revisões, me sentia útil e profissional. Os dias passavam rápido, pois o serviço, apesar de pesado, era muito gostoso. Um dia, nós fomos a uma fábrica de lanchas para remover dois motores numa lancha que afundara devido ao peso dos dois motores, superdimensionados para ela. Precisávamos pegar os motores e trazer para a oficina para recuperá-los. O motorista do caminhão informou que conhecia bem São Bernardo do Campo, que se virava bem por lá. Perdemo-nos e ainda ele foi entrar com o caminhão numa pequena descida de barro no meio de uma favela. O caminhão começou a escorregar e parou encostado nuns barracos. Estava vendo a hora que não sairíamos dali. Precisou um trator nos ajudar. Resultado, até chegar à fábrica, remover os dois motores, voltamos para a empresa já de madrugada, aventura total.

Formei-me engenheiro mecânico e ainda fiquei na BM Motores Marítimos por 6 meses e todos brincavam me chamando de engenheiro peão. Um dia o Mondelo me chamou e me disse. “Gosto de você, mas engenheiro aqui só tem um que sou eu. Você não vai querer tirar o meu lugar já que sou um dos donos. Precisas correr atrás da carreira, buscar algo já no teu perfil de engenheiro”. Ou seja, foi muito bom comigo me incentivando. Corri no mercado atrás de algo já como engenheiro e não mais “peão”, apesar de que aprendi muito, não me formei apenas na universidade e sim no chão de fábrica.

Fui contratado como gerente da filial no litoral da empresa de hidráulica e pneumática de São Paulo, a Energydra. Eu estava responsável por desenvolver o mercado em todo o litoral envolvendo bombas hidráulicas, comandos, pistões, válvulas, etc. incluindo vendas e manutenção desses equipamentos. Consegui vários clientes, tinha um mecânico e um técnico trabalhando comigo e era um trabalho bom, mas estava preso pelo dono da empresa, o Pascoal. Queria ter liberdade de negociar descontos, conseguir o mercado e não podia, pois ele dizia “se o cara não quiser pagar o nosso preço que compre em outro”. No litoral a maioria dos clientes preferia usinar um eixo de uma bomba, por exemplo, a trocar por um eixo novo e isso foi me desanimando. Tanto que, depois que saí da empresa ela fechou. Tanto a filial como a matriz em São Paulo.

Nessa época também passava por um divórcio que me afetou muito profissionalmente, não conseguia ter motivação para trabalhar como eu gostava.

Soube que haveria um concurso público para entrar na Cosipa, Companhia Siderúrgica Paulista. Por coincidência foi o último como estatal já que uns três anos depois a empresa foi privatizada. Resolvi me inscrever. Era até para provar a mim mesmo que era melhor do que eu me achava. Resultado do divórcio.

Fiz o exame na FEI e passei. Para isso, em um mês, eu revi todas as matérias dos seis anos da universidade. Estudava de dia e à noite, sábados e domingos. De mais de 300 candidatos sobraram uns 100. Outros cortes. Depois veio uma entrevista em grupo que cortou outra leva. Finalmente fomos chamados para exames médicos e psicológicos.

Neste processo, como não havia certeza de aprovação, eu continuava na Energydra. Um dia o Pascoal me chamou em São Paulo e me disse que sabia do processo, que eu o havia traído. Eu deveria sair da empresa por minha conta, que ele não me mandaria embora. Não entendia que todos nós profissionais devemos buscar também a melhoria contínua e na empresa, que hoje não existe mais por causa dele, eu estava estagnado. A minha preocupação profissional era sempre aprender ao máximo, quando parava de aprender me sentia parado em relação ao mundo que evoluía ao meu redor, ficava agoniado. Mas logo passei no concurso e fui contratado pela Cosipa, só que perdi o fundo de garantia, etc.

Na Cosipa eu fui direcionado para a área de utilidades o que foi ótimo. Os que foram para o alto-forno viraram especialistas em alto-forno e assim por diante.

Eu, na área de utilidades, estaria numa área interface com todas as unidades e processos da usina. Nós, 30 contratados, ficamos como adjuntos dos gerentes das nossas áreas. Eu como adjunto do melhor chefe que tive até hoje, o Edson, gerente de manutenção de utilidades. Primeiro ficamos em integração por quase um mês rodando todas as áreas da empresa, a melhor e mais eficaz integração que eu já vi em todas as empresas até hoje.

 Aprendemos a conhecer as necessidades de cada processo e como nós poderíamos ajudar no processo que iriamos trabalhar para com esses outros. Na minha área eu lidava com a manutenção de tubulações, turbo-compressores, compressores de grande porte, “pipe-racks”, bombas de água industrial e tratada, central termoelétrica (5 caldeiras de grande porte), torres de resfriamento, gasômetros, etc. envolvendo todos os tipos de fluídos incluindo criogênicos (oxigênio, nitrogênio, etc.).

O melhor de tudo é que interagíamos com os Altos-Fornos, Aciarias, Calcinação, Laminações, etc. já que éramos os fornecedores de fluidos para estas unidades. Conheci toda a operação de uma grande usina siderúrgica. Conhecia cada recanto, cada equipamento, cada processo daquela usina que ocupava mais ou menos 9 000 funcionários fora os das empreiteiras chegando a 12 000. Nem foi uma escola para mim, foi uma universidade. O meu gerente, o Edson, era ótimo, dizia que não se importava como eu fazia desde que fizesse o que ele pedia. Ele me deixava trabalhar e assim me desenvolvi muito. Acompanhava grandes paradas e reformas, contratos com empreiteiras, introduzi diversas ferramentas e equipamentos para manutenção preventiva e preditiva (análise de óleo, de vibrações nas máquinas rotativas, ultra-som para medir velocidade dos fluidos e por consequência incrustações internas nas tubulações, criação de uma planilha que calculava o rendimento energético e volumétrico de compressores alternativos e centrífugos) tornando a manutenção muito mais eficaz. Comecei, ainda naquela época a implantar conceitos de qualidade e TPM, “Total Productive Maintenance”, etc.  

Só que o Edson estava com um câncer e muito agressivo. Cada vez que fazia quimioterapia ele se afastava e eu assumia. Ele voltava e saia de novo até vir a falecer, um cara ainda novo. Isto me atingiu muito, não esqueço a imagem dele no caixão até hoje, gostava muito dele como pessoa e como meu gerente. Nunca mais tive um colega como esse. Sempre para cima, altamente inteligente, super bem visto por todos. Trabalhei na Cosipa seis anos dos quais me orgulho pelo que fiz e pelo que ela fez por mim, me ensinando tanto.

Uma vez tivemos uma greve de quase uma semana. Nós engenheiros tivemos de ficar dentro da usina para operar os equipamentos que não poderiam parar. Um Alto-forno, quase da altura de um prédio de dez andares, se parar, é perdido.

As ventaneiras devem sempre manter o ar que vai sustentar a carga flutuando dentro dele e esse ar era enviado pelos nossos turbo-sopradores. Os queimadores não podiam apagar porque baixando a temperatura, todos os tijolos refratários que protegem a parede de metal do Alto-Forno se desfariam. As bombas de água e as torres de resfriamento não podiam parar, enfim a greve era para os operadores e nós engenheiros deveríamos ficar lá operando. Peguei o meu kit “pelego” e fiquei dormindo embaixo da minha mesa na minha sala por alguns dias.
 
Um dia, com saudade da minha mulher, pulei a cerca da usina, fui ao estacionamento pegar o carro e fui a casa. E para voltar e entrar na usina? Passei num corredor polonês levando bordoada no pé do ouvido e sendo insultado de pelego, furador de greve, filho disto e daquilo. Hoje eu rio da aventura.

Fora acidentes que me envolviam e esses não eram para rir, mas me deram um enorme conhecimento de segurança do trabalho.

Uma vez um motorista de um fornecedor de GLP entrou para descarregar o gás para dois tanques que possuíamos. O procedimento era bem claro que só o operador nosso que poderia conectar a mangueira do caminhão no nosso sistema. Como ele não estava presente no momento, o motorista conectou e abriu a válvula no caminhão. A mangueira se soltou e começou a chicotear e lançando GLP para todos os lados. Era só fechar a válvula. Também a ponteira da mangueira que batia no chão era em bronze não provocaria faísca. O motorista, em vez disso, entrou no caminhão e deu partida no motor para tirá-lo dali. Houve uma enorme explosão e ele morreu queimado sentado ao volante. Lá fui eu dar explicações para a polícia mostrando que o padrão não havia sido seguido. Pior que, diante do delegado, um idiota de um chefe nosso questionava a manutenção do nosso engate. Que vontade de lhe dar um pontapé. Estava tudo OK e ele querendo ainda complicar as coisas.

Era trabalho pesado, nos fins de semana ficávamos de plantão com uma pasta com os telefones de todas as áreas e seus líderes e um bipe. Quando tocava, mesmo que estivesse em lugar indiscreto (motel, por exemplo, como aconteceu uma vez), tinha de acionar os envolvidos e coordenar o atendimento para resolver o problema. Produção contínua em indústria não pode parar.

Também foram diversas aventuras pessoais como ir para a empresa de carro e voltar no transporte da empresa esquecendo o carro lá. Ou voltar para casa no transporte da empresa com o capacete e ter de voltar com ele no dia seguinte, minha vida de aluado...

Com a Cosipa privatizada, comprada pela Usiminas, houve restruturação e eu fui colocado como analista industrial, uma área de engenheiros visando melhorar os processos através do nosso conhecimento e experiência. Comecei a trabalhar em cima de problemas e reduções de custos e aumento de produção.

Estava ocorrendo a baixa do nível de água do rio onde era captada a água de refrigeração das Laminações. Era a água que se jogava em cima das chapas no processo de laminação. Com essa baixa do rio, a água do mar estava invadindo o mesmo e o sal estava sendo captado pelas bombas e sendo jogado em cima das chapas.

Ou seja, estávamos jogando água salgada em cima do produto e ainda quente. Venderíamos chapas de aço novas com incrustação de sal.
 
Criaram uma barragem flutuante para impedir a entrada de sal. Piorou. Reunião daqui, reunião dali e não se entendia o que estava acontecendo. Resolvi agir. Precisava coletar água à jusante e à montante da barragem, na superfície do rio, no meio e no fundo e levar essa água para o laboratório de águas que tínhamos. Virei pescador de água.

Peguei um ferro bem comprido para servir como vara de pesca, na ponta uma garrafa com um peso amarrado no fundo e uma rolha de cortiça. Nessa rolha havia um barbante que vinha pela vara até a mim. Deixava a garrafa mergulhar onde eu queria e puxava a rolha captando assim a água. Recolhia essa água e a colocava em pequenas garrafas, identificava e levava para análise no laboratório. Depois traçava os resultados em gráficos. Com isso identifiquei que a barragem na maré alta permitia água salgada passar por cima e na maré baixa essa água voltava sem o sal. Criamos um depósito de sal decantado justamente na bacia de sucção das bombas piorando o problema. Barragem removida. Engraçado foi me verem sentado na beira do rio pescando em pleno horário de trabalho. E não conseguia um peixinho sequer, só água.

Outro projeto importante. Havia um anel de tubulação de ar comprimido alimentado por várias salas de compressores alguns dos quais velhos e alternativos com um custo de manutenção alto. Este anel, com o aumento da produção de aço da usina já não atendia a demanda por ar comprimido das unidades. Em compensação havia dois compressores parafuso na Aciaria II, superdimensionados, que viviam aliviando para a atmosfera. Eram potentes demais para o consumo da Aciaria e com isso viviam tendo problemas nas válvulas de alívio, fora o dinheiro jogado fora com ar comprimido não aproveitado. Junto com a engenharia criamos uma interligação desses compressores com o anel e tivemos um retorno enorme.

Também, com o aumento de produção de aço, os conversores precisavam de mais oxigênio injetado neles. Esse oxigénio, através de lanças que entravam no conversor, uma enorme panela, se misturava ao carbono o removendo do ferro líquido. Assim o ferro líquido vindo do Alto Forno virava aço com a quantidade de carbono especificada para o tipo do aço que o cliente queria. Também se adicionava manganês, calcário, etc.

Nós éramos responsáveis pelo oxigênio e pela água de refrigeração das chaminés dos conversores.

Numa reunião alertei que o aumento de oxigênio necessário para a nova demanda poderia provocar explosão no conversor, pois não haveria tempo da queima de todo ele. Riram e um dia houve a explosão. Graças a Deus não atingiu ninguém. Alertei também que haveria queda de pressão de oxigênio na rede se operassem mais de um conversor ao mesmo tempo. Novamente riram e aconteceu.

O aumento de gases saindo pela chaminé, mantendo-se a mesma refrigeração acarretaria degeneração das tubulações e vazamentos de água dentro do conversor.
 
 Água caindo no aço líquido provocaria explosões. Dito e feito. Mudanças foram feitas seguindo minhas recomendações. Foi até montado um tanque pulmão de oxigênio para atender os picos de demanda sem queda de pressão na rede de tubulações.

Possuíamos um gigantesco “aircooler” para refrigerar a água. Para limpá-lo e o deixar com bom rendimento gastaríamos mais ou menos R$ 1.5 M e não conseguiria atender a demanda da nova produção de aço. Junto com um fornecedor projetamos um trocador de placas pelo custo de aproximadamente R$ 600.000, metade do tamanho e com o dobro da capacidade do velho “aircooler”. Um projeto meu e que me deixou muito orgulhoso. Pena que depois que saí da empresa os méritos foram para um gerente da área de utilidades, o qual não tratou de nada do assunto, só deu a partida no equipamento. Deixa para lá, ele até já faleceu à anos e eu estou orgulhoso comigo mesmo pelo projeto, auto realização.

Outra realização onde também aprendi mais. Começamos a ter as tubulações em geral na usina com muita corrosão principalmente na superfície superior onde recebiam as chuvas. Comecei a pesquisar e descobri que os gases expelidos pelas nossas cinco caldeiras continham muito Dióxido de Enxofre (SO2) que, misturado com a água, originava um ácido fraco, chamado ácido sulfuroso (H2SO3). Criávamos uma quase chuva ácida sobre toda a usina ajudando na corrosão generalizada. Fiz o relatório e passei para a gerência da termoelétrica para que fossem feitas melhorias na filtragem dos gases das chaminés das caldeiras ou na combustão para que fosse gerado menos desse gás.

Numa outra vez começamos a ter redução de pressão de gases da coqueria nas tubulações. O gás de coqueria era resultado do aquecimento do carvão para que secasse e se transformasse em coque e fosse lançado como combustível nos Altos-Fornos. Peguei o meu inspetor e fomos medir com ultrassom a velocidade do gás e, pelo diâmetro da tubulação, calculamos a redução do diâmetro interno da mesma. Havia grande restrição. Purgamos a linha com nitrogênio para não haver explosão e cortamos uma pequena janela no fundo da tubulação e retiramos uma borra espessa que enviamos para analise.

Descobrimos que os secadores da Coqueria não estavam funcionando adequadamente e a umidade jogada na tubulação originava essa borra que endurecia e reduzia o diâmetro interno da tubulação aumentando a velocidade e queda da pressão.

Em outra ocasião tivemos outro problema. Os nossos “pipe-racks”, estruturas que suportam as tubulações ao longo da usina, eram feitos de um aço considerado ótimo contra a corrosão.

E não precisava de pintura. Ele criava uma camada de ferrugem em toda a sua superfície que agia como camada protetiva contra oxidação.
 
Acontece que um “pipe-rack” sofre movimentações e pequenas deformações que quebravam essa camada formando outra camada e, assim, ia perdendo espessura ao longo do tempo. Na nossa rotina de inspeção de manutenção preventiva eu resolvi colocar a medição de espessura dos “pipe-racks” e o meu inspetor de tubulações e estruturas descobriu que a mesma estava sendo reduzida pela constante quebra da camada protetiva. Tivemos de pintar os “pipe-racks” indo contra, na época, muita gente que dizia que isto comprometeria a imagem do produto, que não precisava de pintura. Mas para aquela aplicação não servia sem a pintura. Claro que hoje, com as novas tecnologias e a evolução da Cosipa, hoje Usiminas, este problema deve estar resolvido.

Nos nossos compressores, cada vez que um desligava por alta temperatura de descarga a equipe de manutenção começava a atacar sem análise prévia. Vamos olhar as válvulas de descarga, pode ser que algumas estejam travadas. Não era. Vamos olhar o Intercooler se está sujo, não era. Complicado com máquinas enormes que, para acesso, havia a necessidade de montar andaimes. Criei um programa em Excel que traçava gráficos de rendimento térmico, volumétrico e energético. Semanalmente o inspetor media as temperaturas nos estágios do compressor, a vazão de ar comprimido no momento, pressões, amperagem, etc. e lançava na planilha. Ela automaticamente dava os rendimentos e mostrava as tendências nos estágios e no intercooler. Isto simplesmente reduziu o tempo de parada de cada máquina pela metade e a equipe não era mais simples trocadora de peças. Iniciava assim a manutenção preditiva.

Resumindo, fui sendo conhecido pela perspicácia, pela visão de riscos e de prevenção que sempre me acompanharam. Sempre tive uma visão sistêmica muito grande, ver o todo. Isto me ajudaria muito na aviação e na área da qualidade, no futuro.

Fiz um levantamento de todas as perdas de utilidades por consumos inadequados (por exemplo, mangueiras de ar comprimido resfriando mancais de máquinas rotativas), vazamentos, etc. incluindo ações mostrando os retornos que a empresa teria. Então vários engenheiros da matriz da Usiminas, MG, foram chamados ao Cubatão para melhorar os processos da Cosipa, agora já sua propriedade a algum tempo. Coincidência, todo o trabalho feito por eles apresentou o mesmo que eu havia relatado e que estava nas gavetas da superintendência.

Hotel, horas extras, tudo gastos para eles dizerem o mesmo que eu já havia mostrado. Isto me desapontou muito pelo que sabiam da minha experiência e conhecimentos. No mesmo período surgiu uma ideia com um amigo, que também trabalhava na usina, de comprarmos um avião e partirmos para uma empresa de táxi-aéreo.

Na Cosipa eu conheci o Bráulio um instrutor de elétrica do SENAI que ministrava cursos e treinamentos internamente à usina. Ele fazia paraquedismo comigo, ambos alunos do mestre Djalma Vieira.
 
Começamos a sonhar em ter um avião para lançar paraquedistas. Ganhar dinheiro e saltar de graça. Mostrei a ele que só para paraquedismo não compensava o alto investimento de comprar um avião. Precisávamos usar ele em outras atividades e, para isso, éramos obrigados pela legislação aeronáutica a abrir uma empresa de táxi-aéreo.

Pedi ao meu superintendente que me demitisse para poder pegar o fundo de garantia e todos os valores necessários, vender o carro, meu paraquedas completo e com a ajuda do Bráulio que vendeu tudo e ainda pegou dinheiro emprestado da mãe dele partirmos para a aviação. Os colegas da Cosipa, meu chefe, etc. me chamaram de louco varrido, mas, mais tarde, como verão mais à frente neste texto, agi corretamente em não ter ficado lá.

Na TASA, Táxi Aéreo e Serviços Aeronáuticos nós fazíamos inúmeros voos panorâmicos sobre o litoral com turistas, prestávamos diversos serviços de fotografia aérea, lançávamos paraquedistas, pequenas viagens, etc. Até lançamento de cinzas de pessoas falecidas nós jogávamos sobre o mar. Gastamos muito dinheiro para deixar a aeronave correta e a empresa como um exemplo tanto que ficamos bem conhecidos pelas autoridades aeronáuticas. Eu era o diretor de operações e piloto comercial. Após aproximadamente 3 anos de operação e já começando a ter lucro passamos pela maior decepção que poderíamos ter. Numa história contada em outro livro sobre a minha vida na aviação eu mostro os detalhes. A nossa aeronave foi roubada por traficantes de drogas e levada para a Bolívia. O governo desse país se apoderou dela, eu estive lá tentando recuperá-la e quase não voltei. Ficamos quase dois anos parados e eu apenas ajudando como diretor de segurança de voo do aeroclube de Praia Grande. Essa experiência na aviação e as palestras que eu fazia sobre prevenção na aviação me ajudaram a conseguir realizar o meu sonho, trabalhar na Embraer uma das maiores fabricantes de aviões do mundo e orgulho do Brasil.

Fui contratado na Embraer como engenheiro de segurança de voo e era responsável pela prevenção nos processos produtivos e pátios de operações, interface com a qualidade da produção, investigação de acidentes aeronáuticos, etc. Alta tecnologia, interface com todos os processos, participação em diversos simulados aeroportuários, enfim aprendi muito nessa empresa. Infelizmente por problemas pessoais, após três anos, saí da empresa.

O problema é que ao estar na aviação você fica estigmatizado como especialista apenas em aviões e eu era mesmo. Ficava difícil voltar para a indústria.

Finalmente consegui ser contratado e voltar à indústria. Entrei na Hitachi ar Condicionado do Brasil em São José dos Campos. Sempre me senti bem lidando com os japoneses, sempre fiz boas amizades com eles e agora estava numa empresa onde o presidente e diretores eram japoneses natos, alguns dos quais nem falavam bem o português.

Fui trabalhar na Qualidade da fábrica como analista da qualidade, lidando diretamente com sistemas da qualidade, norma ISO 9001:2008, etc. Estava numa área que eu adorava e a qual eu já havia trabalhado indiretamente várias vezes desde a época da Cosipa.

Com a ajuda do meu gerente, o Bordignon, o qual era um bom profissional e um bom chefe, eu comecei a aplicar as ferramentas da Qualidade e a usar os requisitos da norma para melhorar os processos, reduzir custos e não conformidades e melhorar a satisfação dos clientes que no primeiro nível eram os nossos concessionários. Comecei a convocar os processos em equipe para discutirmos problemas usando as ferramentas para identificar causas e ações corretivas. Um dia o diretor Sato san me viu dentro de uma sala de reunião com diversos gerentes. No quadro estava um diagrama de Ishikawa onde discutíamos as causas de um problema. Depois ele me disse que isso não adiantaria. Que as pessoas no Brasil não tinham esse hábito, essa cultura. Como sempre tive um pouco de professor e na qualidade somos como consultores, eu consegui reverter isto. Um dia o chamei e mostrei um gerente de projeto com a equipe na sala e o diagrama de causa X efeito no quadro e sem mim, iniciativa deles. Sato san apenas sorriu e foi embora satisfeito.

A reunião mensal de garantia com a presença de todos os gerentes, diretoria e o nosso presidente sr. Shigekichi Kochiyama, virou um Comitê da Qualidade onde, além de custos, começamos a fazer os gerentes apresentarem seus indicadores de desempenho e ações para melhorar seus processos. Também havia uma falha na sintonia de novos produtos com os processos da fábrica impactando em Compras com os fornecedores, em Qualidade no uso dos laboratórios de ensaios dos protótipos, nas linhas de produção para montar os mesmos, etc. Resolvi implantar algumas das ferramentas do PMBOK (“Project Management Body of Knowledge”) do PMI (Project Management Institute). Com estas ferramentas a criação de um novo produto envolvia todos os processos, identificação de riscos e ações mitigadoras, processo de comunicação, cronogramas, etc. Usamos a ferramenta MS Project para ajudar. Com isto reduzimos violentamente as interferências dos projetos nas linhas de produção.

Interessante um dos exemplos de identificação de riscos (Risk Assessment) e gestão de riscos (Risk Management), introduzido na fábrica através do PMBOK. Criamos um formulário para listar as tarefas de um projeto, riscos inerentes (Probabilidade X Gravidade X Severidade), prioridade (NPR (Number Priority Risk)= PXGXS) e daí as ações necessárias para evitar ou mitigar os riscos levantados. A primeira aplicação foi num trocador que seria montado num “Chiller” e fabricado por um fornecedor nosso.  Juntei os engenheiros e comecei a aplicar a ferramenta. Identificamos riscos que ninguém lembraria.

Um dos riscos era a movimentação dos trocadores dentro da fábrica. Ninguém havia lembrado que eram bem pesados e precisaríamos de carrinhos de transporte interno reforçados. O que olhar no fornecedor, testes necessários, entrega dos trocadores conforme nosso acionamento para não impactar no caixa da empresa, etc...

Foi o começo do uso da ferramenta para gerenciamento de riscos e ainda nem se pensava na nova ISO 9001:2015 que dará tanta ênfase a este assunto. Eu havia aprendido sobre este assunto na Prevenção dentro da Aviação.

Também coordenava os inspetores de qualidade das linhas de produção, a inspeção de recebimento de materiais usando um laboratório de qualidade e coordenava o Sistema de Gestão da Qualidade incluindo as auditorias internas e de certificação.

Criei o Jornal da Qualidade e diversas ações para redução de não conformidades e para atingimento das metas pelos processos. Agora além de aprender mais, também podia aplicar a minha experiência toda. Tornei-me auditor líder e consegui através dos requisitos da norma mostrar o quanto ela era importante para a melhoria contínua da empresa. Trabalho de formiguinha, de mudança cultural e convencimento da diretoria e da presidência.

Tinha uma relação muito grande com o processo de RH (Recursos Humanos) da empresa. Afinal eu gostava muito da relação com o ser humano que fazia os processos e a qualidade. Definição de competências, treinamentos, etc. Na Hitachi conheci um auditor da certificadora ABS chamado Celso Yamamoto que me ensinou muito sobre auditoria, normas e até hoje o considero um amigo, pena que estamos longe.

Então, quando eu estava me sentindo realizado, que tudo começava a funcionar como um relógio ocorreu a mudança da presidência. Cada presidente ficava no máximo 5 anos e voltava para o Japão. Comecei a pensar se teria que repetir tudo de novo. Mudar a cabeça do novo presidente, mostrar novamente a necessidade de tudo o que havia implantado. Não sei se teria força para tudo de novo. Um dia, sem nenhuma pretensão, entrei em contato com o presidente da TAM Jatos Executivos. Eu o havia conhecido numa feira aeronáutica em Sorocaba com a pretensão de comprar um Cessna Caravan, avião turboélice para 9 passageiros, para uso na TASA.

Propus a ele um projeto de levar para a aviação os conceitos da qualidade usada na indústria já que a aviação tinha e tem até hoje uma visão muito voltada para o cumprimento da legislação e não muito com o foco na eficácia dos processos, na satisfação dos clientes. Quem sabe ter a empresa certificada pela NBR ISO 15100, indústria aeroespacial. Imediatamente ele me mandou procurar o diretor da empresa no aeroporto de Jundiaí, interior de São Paulo. Pela terceira vez eu poderia voltar a atuar na aviação. Conversei com o meu diretor, Sato san na Hitachi sobre a minha saída após três anos e ele ficou muito decepcionado, percebi isto no seu rosto.

Realmente eu não sabia que aquele havia sido um erro que não deveria ter cometido, o de voltar para a aviação onde só tinha passado por maus momentos. A TASA, a Embraer e agora a TAM. Mesmo sendo útil para a minha carreira, mesmo tendo aprendido bastante, na aviação só tive desapontamentos. Cheguei a parar o carro na estrada e ligar para a Hitachi para me aceitarem de volta, mas a confiança já estava perdida e eles tinham razão.

Além de não ter dado muito certo já que o interesse era apenas atender o FAA americano e o DAC e depois a ANAC do Brasil, também ocorreu o estouro da bolha na economia nos USA. Quem tinha avião não queria fazer manutenção, deixava-o parado.

Quem iria comprar avião, desistia. Eu estava com menos de um ano de trabalho e com um salário bom. Unindo tudo, fui demitido. E o presidente também. A aviação me prejudicando mais do que me ajudando, novamente.

Um tempo desempregado, cidade que eu não gostava. Morávamos num bairro de periferia com uma pequena favela liderada por traficantes no final da rua, enfim, não era exatamente o que eu buscava.

Tivemos de fazer brechós na garagem para arrecadar dinheiro e também pagar as contas com a ajuda da pequena pensão da minha mãe que a anos morava conosco.

Fui procurando emprego até que fui chamado para uma entrevista numa empresa em Cotia. Marcamos o dia e lá fui eu. De Jundiaí lá era uma hora e pouco de rodovia e muitos pedágios, mas precisava trabalhar. Chegando já fiquei meio preocupado com o local. Depois quando entrei na empresa tomei um susto com a primeira visão. Muita desorganização, impressão de uma empresa de fundo de quintal. Mas eu desempregado e também vi como uma oportunidade de implantar todo o meu conhecimento e transformar a empresa. Fui entrevistado pelo filho do dono, o Neto, um jovem, mas com uma cabeça que depois eu me identifiquei. Pensando em frente, querendo crescer, fazer melhor, sabendo ouvir.

Estava contratado pela Expander Manutenção respondendo ao Sr. Nelson e ao filho dele o Neto.

Resolvi começar as mudanças através da norma ISO 9001:2008. Trabalhávamos na maioria dos serviços para a Petrobras, tanto para as refinarias como para as plataformas. Um cliente extremamente desorganizado, muita bagunça, cada plataforma com exigências diferentes, inspetores nos visitando para acompanhar os serviços e nos cobrar pressa uns contra os outros, tipo mesmo de uma estatal, muitos donos. Fazíamos manutenção de grandes trocadores de calor e construíamos outros. Caldeiraria e soldagem pura, metalurgia. Com as minhas mudanças começaram os ciúmes, fofocas através de e-mails e eu sabendo de tudo.

Com a minha experiência comecei a mudar os processos, as pessoas de cargos, a revisar procedimentos, criei o Comitê da Qualidade que se reunia uma vez por mês, começamos a reforçar treinamentos, criei na entrada painéis com informações de produção e qualidade, pintamos todo o piso da fábrica e o seu aspecto melhorou enormemente. Criei a reunião diária de produção envolvendo todos os processos para definir prioridades do dia, necessidades, ações, etc. Apesar de jovens, os profissionais que respondia a mim eram muito inteligentes e conheciam muito do “riscado”, só não tinham a minha experiência.

Como era longe de casa eu fiz a experiência de dormir durante a semana numa casa da empresa que ficava no bairro e onde ficavam alguns funcionários. Contudo não aguentei, não dava mais para ser gerente industrial e dormindo fora de casa. Isso era para as épocas de obras que eu já havia passado, não queria retroceder. Mudei para uma cidade um pouco mais perto, São Roque, onde vivo até hoje, terra do vinho.

Era um trabalho bastante estressante, pois lidava com a prepotência da Petrobras que achava que tudo tinha de ser do seu jeito. Nós éramos certificados ISO, seguíamos direitinho todos os requisitos. Também tínhamos PCMSO, Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional, ASO, Atestado de Saúde Ocupacional para nossos funcionários ainda mais aqueles que precisavam trabalhar dias e dias nas plataformas no meio do mar. Ainda assim a pressão e ameaças constantes de multas eram constantes, as auditorias eram constantes e cada um exigia algo diferente demonstrando uma total falta de padronização.

Um dia tivemos de fazer manutenção num dos grandes trocadores de calor da Central Termoelétrica da Cosipa, a casa de Força. Eu voltaria a visitar a minha universidade. Que decepção, meus colegas continuavam do mesmo jeito, mesmos cargos, nem os móveis das salas de reunião mudaram. Pelos pátios também percebi tudo igual. Consegui perceber que eu ter saído dali para arriscar a montar a empresa TASA de táxi-aéreo não tinha sido errado não. Nunca devemos ter medo de desafios, não devemos é fugir deles e ficarmos vegetando no tempo.

Na Expander gostava muito de todos, da família, mas estava como Pessoa Jurídica, PJ, onde tudo o que ganhava ia para pagar impostos, plano de saúde, etc. Estava difícil. Surgiu então uma oportunidade numa empresa do grupo Fiat, a CNH, Case New Holland. A Case se uniu com a New Holland e estas foram compradas pelo grupo Fiat. Tudo virou a CNH construindo máquinas agrícolas (colheitadeiras, tratores, etc.) e máquinas de construção com uma fábrica em Sorocaba, aonde eu viria a trabalhar. Uma fábrica em Curitiba e uma em Contagem. Mais tarde se uniu ao grupo a Iveco, fábrica de caminhões, ônibus, blindados, etc. e a FPT, Fiat Power Train, fabricante de motores. Estava finalmente criada a CNH Industrial.

Hoje sou supervisor de P&S, Parts And Services, LATAN, Latin America com dois depósitos no Brasil e dois na Argentina.

O de Sorocaba, onde fico, é um dos maiores da América Latina. Não quero escrever sobre o trabalho atual já que não é ético mostrar a empresa.

O objetivo deste pequeno livro é lhes mostrar todas as dificuldades que podemos ter na nossa carreira pessoal e as oportunidades de aprendizado que nos são apresentadas com essas dificuldades. É sabermos usar o limão para fazer uma saborosa limonada. Nesta minha carreira eu percebi certo dom de liderança, pois independente da posição hierárquica dos parceiros eu me fazia ouvir. Mesmo como subalterno eu conseguia mostrar os caminhos.

Sempre fui muito a favor da padronização, pois é através dela que se retém o conhecimento.

Sempre lutei por processos escritos. Fica mais fácil manter-se o padrão, treinar as equipes, se identificar o que deu errado. Sempre me destaquei porque atualmente só se corre, se apaga incêndios, se busca a competitividade e não se para um pouco para planejar, para pensar. Vejo tantos virarem bombeiros apagando incêndios e não se preocupando em descobrir a fonte do fogo. Eu questiono, penso lá na frente, cobro a busca da causa raiz dos problemas para que eles não sejam reincidentes.

Sejam criativos, busquem as causas que elas os ensinarão muito. A busca das causas, em equipe, vai torna-los fortes e deixarão os processos mais coesos.

Na empresa atual criei o Comitê da Qualidade onde os processos se comportam como clientes uns dos outros cobrando soluções desses fornecedores internos. Isto abriu muito os canais de comunicação entre processos e fez com que se quebrassem as caixas fechadas em que os gestores ficam. Tenta-se dessa maneira acabar com as mini empresas dentro da organização. Cada um está preocupado em atender os seus clientes internos e com o foco no cliente final. Isto torna a organização mais forte e já tive muita experiência com isso. Outra coisa é saberem identificar os pontos fortes e fracos dos membros da sua equipe. Saiba usar os pontos fortes e tente melhorar os fracos. Lembro que todo o ser humano tem pontos fracos e erra. Portanto antes de culpar um funcionário entenda que, primeiro, houve uma falha no processo. O mesmo tinha uma brecha que deixou a falha, o erro humano, passar e se tornar um problema.

Logo verifique seus processos com visão de análise de riscos.

A nova norma ISO 9001:2015, que já está no forno, tem um foco muito grande nisto.

Aplique fortemente os conceitos de Identificação de Riscos (“Risk Assessment”) e Gestão de Riscos (“Risk Management”) desde os objetivos estratégicos da organização aos processos em si. Usando estes conceitos, a prevenção na tomada de decisões estará forte e fará com que ações mitigadoras nos riscos evitem dissabores, prejuízos e insatisfação dos clientes.

Sempre pergunte, para tudo que vai decidir ou implantar, quais os riscos, probabilidades e severidades caso aconteça o problema. Com isso você pode criar ações mitigadoras para eliminar esses riscos ou minimizar as consequências.

Se fizer isto em equipe então, a troca de experiência, de conhecimentos, tornará a organização fortíssima.

Use a pirâmide de Maslow para entender onde você e os seus estão localizados nas suas necessidades. Isto o ajudará a entender o ambiente profissional seu e da sua equipe. Claro que nós flutuamos em diversos níveis da pirâmide dependendo do momento.

Se estivermos desempregados não estaremos preocupados em estar no topo, na “realização profissional” e sim na base, na “sobrevivência”. Mas ajuda muito. Eu atualmente estou no topo. Quero me realizar passando minhas experiências e por isso escrevi este pequeno livro. Não para aparecer, não preciso disto, mas para ajudar os outros a serem melhores profissionalmente com o meu exemplo de carreira, com erros e acertos como humanos que somos. Estamos em constante aprendizado e evolução.

 Carlos Filipe dos Santos Lagarinhos
01 de Maio de 2015 - dia do trabalho