Ser um profissional de sucesso, a minha história profissional, em vez de um livro publico aqui para dividir com todos a minha experiência.
A minha história
profissional fora da área da aviação começou devido ao meu falecido pai, Filipe
Simões, um baixinho arretado para o trabalho e muito inteligente. Se ele
tivesse tido oportunidade de estudar teria sido um profissional muito mais
reconhecido do que foi realmente. Tinha ideias para os problemas na profissão
que me deixavam orgulhoso, resolvia os “pepinos” com maestria, conhecia tudo
sobre mecânica, fazia cálculos de cabeça que eu nem com a calculadora fazia.
Eu estava
começando o meu curso universitário de Engenharia Industrial Mecânica devido
muito às experiências vividas com o meu pai e com o meu também já falecido
irmão que era engenheiro mecânico, formado na Faculdade Industrial de Luanda,
Angola. Outro também muito inteligente para a área profissional. Não tinha como
não ser influenciado e como, pelos dois. Na minha casa havia sempre um anexo
com um enorme armário com todas as ferramentas possíveis onde os dois viviam
criando coisas e consertando outras. Chegaram uma vez a desmontar um carro
inteiro, reformando o mesmo com pintura e tudo. Para eu cursar a universidade
particular o orçamento da nossa casa não daria. Havíamos perdido tudo ao sair
de Angola e vir para o Brasil. A família estava começando do zero e os meus
pais queriam que eu tivesse uma boa faculdade. Eu tinha condições de passar no
vestibular do ITA, Instituto de Tecnologia Aeronáutica, afinal o meu sonho era
cursar Engenharia Aeronáutica já pensando na Embraer. Contudo não podia cursar
lá, pois ainda não tinha a igualdade de direitos no Brasil e no ITA só
brasileiro nato pode cursar. Passei em outros vestibulares, mas preferi ficar
em Santos mesmo, na Universidade Santa Cecília. Boa universidade, professores
bons, a maioria, na época, também professores da FEI, Faculdade de Engenharia
Industrial em São Paulo. Também tinha a minha casa em Santos, meus amigos,
minha namorada e futura esposa. Fiquei lá mesmo e não me arrependi, aprendi
muito e fui ótimo aluno. As aulas eram à noite das 19:00 às 22:00 e sábados o
dia inteiro. Eram seis anos de curso dividido em semestres e só perdi um semestre.
Sempre com notas boas me dediquei ao estudo, afinal cabe ao aluno se tornar um
bom profissional independente da universidade, ela lhe dá as ferramentas e o
seu uso depende da vontade do aluno.
Porém para pagar
a universidade eu precisava trabalhar. Os meus pais não tinham condições. O meu
pai era encarregado de mecânica de manutenção em uma empresa de navegação
multinacional, a Netumar a qual possuía 7 navios de grande porte para
transporte de containers. Ele era responsável por coordenar uma equipe de mecânicos,
caldeireiros, soldadores e eletricistas que faziam a manutenção dos navios
envolvendo tudo incluindo os enormes motores principais, mastros, reparos no
casco e convés, porões, etc.
O meu pai era bem
quisto pelos diretores da empresa Netumar pelos problemas que ele solucionava
economizando fortunas. Numa conversa ele lhes pediu sobre eu ser contratado e
assim comecei a minha carreira. Como fazia a universidade também aos sábados,
eu não podia trabalhar nesses dias e a empresa trabalhava até às 12:00. Foi
combinado que eu faria apenas uma hora de almoço em vez de duas para compensar
o sábado. Comecei a trabalhar como ajudante de caldeireiro e soldador no pátio
de containers marítimos da empresa. Eu tratava de toda a documentação,
fechamento das OS (Ordens de Serviço da manutenção desses containers), pintava
os reparos feitos pelos caldeireiros e soldadores. Também pintava as
identificações dos containers (matrículas), buscava materiais para os
funcionários, enfim, fazia de tudo um pouco.
Como era um
pouco mais estudado e já tinha perfil de liderança comecei a me destacar e a
dar recomendações nos serviços. Comecei também a aprender caldeiraria,
traçando, cortando com maçarico, soldando com vários processos (oxi-acetileno,
eletrodo revestido e mais tarde até com MIG). Trabalho pesado. Tinha que vestir
avental de solador, luvas de raspa e soldar dentro do container com o sol da
baixada santista por fora, uma verdadeira sauna. Outras vezes tinha que bater
marreta para desamassar os painéis dos containers, até fazia eco dentro do
container. Isto também começou a comprometer depois a precisão na soldagem, mão
tremendo um pouco.
Conforme você
vai se destacando, ciúmes começam a brotar e ainda mais comigo que havia sido
recomendado pela diretoria da empresa. O gerente da oficina começou a me
perseguir querendo inclusive me cortar porque não trabalhava ao sábado, o que
já havia sido acordado antes. Mas com conversa se acertou tudo. Com o meu
esforço e reconhecimento da empresa virei encarregado do pátio de containers e
inspetor de containers. Seguindo requisitos mundiais, já que os containers são
alugados a níveis internacionais. Eu inspecionava os containers com esses
requisitos. Cheguei a fazer um curso de inspeção nesses equipamentos.
Como encarregado
da oficina participei da construção de uma nova oficina a qual possuía até jato
de granalha de grande porte e podíamos construir um container naval novo. Cortava
com maçarico, soldava ajudando. Aprendi muito no processo de corte e solda e na
administração da oficina.
Um dia eu estava
em cima de um container observando uma solda quando vi um funcionário puxando o
carrinho de solda oxi-acetileno por entre os outros containers e eu sabia que
ali não havia serviço de solda. Fui por cima dos containers o seguindo. Ele
parou, tirou o maçarico, o acendeu e, para meu espanto, passou a chama sobre a
perna queimando a calça e a perna. Desci, fui para a minha sala e esperei. Não
deu outra, ele apareceu pedindo afastamento médico, que havia sofrido acidente
de trabalho. Claro, o demiti por justa causa.
Outra vez dois
entraram em briga por causa de mulher. No porto de Santos os funcionários eram
na maioria desse tipo, faca na cintura. Uma vez entrevistei uma moça para
faxineira da oficina e ela se apresentou toda sexy, mas nem iniciou o processo.
Selecionei uma senhora mais velha, imaginem as brigas que aconteceriam na
oficina.
Ganhava também
experiência na prevenção de acidentes através da realidade. Uma empilhadeira
carregava um container só que em vez de se mover de ré, se movia para a frente
e com ele no alto. Um colega passava pela frente quando o container balançou e
quebrou a chapa onde entrava uma das patolas (garfos) da empilhadeira. O
container virou e caiu em cima do colega esmagando as duas pernas. Outro
acidente, este ao meu lado, envolveu outro colega que estava no teto de um
container. O guindaste levantava outro container de 40 pés, o maior e, sem usar
as patolas para ajuda-lo, começou a tombar. O colega viu o container vindo para
cima de si e pulou de cima do container onde estava, mas o outro ainda pegou o
seu braço o esmagando. Caiu de cima do container com o braço em pedaços e eu vi
tudo. Para o inicio da carreira já eram péssimas lições. Tanto que aceitei logo
ser da CIPA, Comissão Interna de Prevenção de Acidentes, para ajudar a melhorar
a prevenção de acidentes. Um dia eu estava dentro do container com as portas
fechadas para teste de estanqueidade. Sempre ficava sozinho, mas nesse dia um
ajudante que desamassava um painel ficou lá dentro também. Avisei que ficasse
quieto já que eu conhecia bem por dentro, no escuro. Com a marreta na mão, ele
resolveu mudar de lado e eu andando dentro do container acertei em cheio a
testa na marreta desmaiando na hora e com a testa sangrando.
Normalmente nos
fins de semana chegavam os navios, já que os marinheiros queriam aproveitar o
fim de semana em terra. Como o custo da atracação era caríssimo o navio tinha
de ficar o menos tempo possível no porto. Nós recebíamos no pátio tipo 800
containers para inspecionar. Chegava uma carreta atrás da outra. As
empilhadeiras levantavam o container e eu já iniciava a inspeção verificando a
estrutura por baixo. Quando era colocado no chão eu entrava nele, o meu
ajudante fechava a porta e no escuro total eu conseguia verificar a existência
de furos, rasgos, abertura nas borrachas das portas, etc. Saía, abria uma OS e
direcionava aquele container para a oficina, para as pilhas no pátio, etc. Se
era um container bom já o escolhia para café, para a automobilística, para
cargas em geral, etc. enviando para as respectivas pilhas de containers.
Chovesse ou fizesse sol era trabalho pesado. E quando eu estava em provas na
universidade era pior. Entre cada caminhão entrando no pátio, uns 10 min, eu
pegava o caderno, estudava e o largava novamente para a próxima chegada. Quando
acabava o descarregamento do navio ficava mais tranquilo, mas vinham os
containers para reparo e liberação para o próximo navio.
Almoçava uma
marmita fria, por isso aprendi a não gostar de comida quente, virei boia fria
para sempre. Às vezes usávamos uma estufa de eletrodos para esquentar a comida,
mas eu fazia pouco isso.
O pátio dos
containers era na Alemoa, Santos, no meio de uma favela. Às vezes eu ia a uma
birosca, um boteco, que havia ali para tomar algum refrigerante e sempre
encontrava traficantes do local, arma na cintura. Mantínhamos o respeito mútuo,
conversávamos. Inclusive recebi proposta de ajuda caso precisasse com algum
inimigo meu. Claro que nunca precisei desse apoio.
Um dia um colega
da universidade me disse que uma empreiteira que trabalhava na Cosipa,
Companhia Siderúrgica Paulista, estava contratando profissionais. Era a grande
chance de entrar na indústria. A Cosipa era estatal e não havia concurso
aberto, logo poderia entrar lá via uma empreiteira. Fui ao canteiro da empresa
lá dentro da Cosipa para ser entrevistado pelo engenheiro residente e logo fui
aprovado como auxiliar técnico. Agora era funcionário da Enesa Engenharia. Eu
era a interface da Enesa com a Cosipa no planejamento de grandes paradas. Por
exemplo, iria ter uma parada de Alto-Forno, ou Laminação, ou Aciaria. A Enesa
deveria cuidar de uma parte da parada. Eu deveria planejar mão de obra,
máquinas de solda, carrinhos de maçaricos, ferramentais, devia colocar tudo
isto, na véspera, nos locais certos, acompanhar a obra toda incluindo reuniões
de “follow-up” com o contratante, Cosipa, seguindo um cronograma diário.
Trabalhávamos na usina inteira o que me ensinou muito sobre uma indústria.
Trabalho pesado,
respirando BTX, Benzeno, Tolueno e Xileno que dá a leucopenia, o mortal gás de
Alto Forno, calor excessivo dos fornos, pó de ferro nos pulmões, acidentes
constantes como, por exemplo, um funcionário que caiu de mais de 45 metros na
Aciaria 1 ao meu lado ao soltar o cinto de segurança para se locomover lá na
estrutura (não usava cabo guia) ficando todo desfigurado.
O trabalho numa
usina siderúrgica deve ser levado muito a sério, seguir todos os padrões de
segurança.
Enfim, eu era um
peão de obra mesmo e aprendi muito com isso. Nas sextas-feiras eu efetuava o
pagamento de todo o mundo e isso era muito duro. Era ameaçado até de morte.
Nesse dia o funcionário recebia a cartela de vales refeição para comer na
semana seguinte nos diversos refeitórios espalhados pela Cosipa. Se o mesmo
faltasse um dia ele deveria ter um vale sobrando. Logo na sexta seguinte ele
recebia um vale a menos. Só que eles costumavam vender os vales que sobravam e
eu controlava isso. Logo eles ficavam sem almoçar e querendo me matar, mas
estavam fazendo coisa errada e eu fazia o meu trabalho. Outras vezes eu ia aos
outros canteiros das outras empreiteiras para procurar máquinas de solda nossas
roubadas nas paradas da Cosipa. Tínhamos umas identificações escondidas e eu
conseguia recuperar todas.
Uma vez, outra
empreiteira pegou uma máquina de solda e a colocou na sua ambulância e saiu
pela portaria com a sirene ligada. Nesses casos as portarias não paravam a
ambulância para verificação. Deram azar porque ao lado parou um caminhão e o
motorista viu pela janela a máquina de solda dentro da ambulância como paciente
e deu o alarme. Multa pesada para a empreiteira.
Estava me
destacando e tive a informação do engenheiro residente (gerente da empreiteira
dentro da Cosipa) que eu seria o seu substituto, que ele gostava muito do meu
trabalho, mas precisava me formar primeiro.
Um dia o
sindicato das empreiteiras provocou uma greve. Todos os dias eu vinha de Santos
para o Cubatão no ônibus da empresa, parávamos na praça da cidade e ali era
feita uma assembleia para decidir o que fazer. Um dos dias eu fui a São Paulo
resolver um assunto e não vi o aviso que foi colocado nos ônibus avisando que
quem não fosse trabalhar no dia seguinte seria demitido. Dia seguinte peguei o
ônibus e desci na praça como anteriormente e sem querer entrei na lista de
corte. O engenheiro residente me chamou no canteiro da empresa e me disse que
todos estariam numa lista negra que correria pela Cosipa e pelas empreiteiras
que lá trabalhavam, mas que ele gostava de mim e que sabia que eu não era
metido em greves e sindicatos. Não estaria na lista, mas a demissão não tinha
como reverter. Procurei o sindicato e eles disseram que nada podiam fazer.
Provocaram a confusão e depois pularam fora. Nunca mais gostei de
sindicalistas, virei adversário fervoroso dessa turma.
Procurei emprego
e, umas duas semanas depois, eu vinha de uma entrevista em São Paulo e passei
na porta de uma pequena empresa que ficava no térreo de um prédio em Santos.
Era a BM Motores Marítimos. Eles compravam motores rodoviários Mercedes Benz de
4 e 6 cilindros e os adaptavam para embarcações adicionando inter e after
coolers, redutora de velocidade para colocação de hélice de acionamento,
produziam a própria rabeta, na qual vai a hélice, modificavam o eixo comando de
válvulas para alterar a potência, modificavam o turbo-compressor, etc.
Entrei no
escritório e me apresentei para a sócia proprietária, a Nina Bartel. Eram dois
irmãos e uma irmã (os Bartel que, inclusive tinham uma retifica no nome deles
em Santos) em sociedade com um engenheiro oriundo da Petrobrás chamado Mondelo.
Ele que fazia todos os projetos para as lanchas, iates, etc. A Nina reconheceu
o nome Lagarinhos devido ao profissionalismo do meu pai e meu irmão e logo me
contratou como mecânico.
Era um trabalho
duro, vivia me queimando nos motores quentes, tinha de entrar em porões apertados
das lanchas e balançando com o mar, vivia sujo de graxa. Mas foi um dos melhores
trabalhos que tive até hoje. Fazia as revisões das lanchas e iates nos iates
clubes, descia as mesmas para a água e depois as testava. Passeava bastante.
Pilotava todos os tipos. Viajava o litoral todo revisando lanchas e iates.
Um dia o Mondelo
foi vender uma lancha e me levou para dar uma geral nela antes. Revisei os dois
motores, juntas, braçadeiras devidamente apertadas, correias com a tensão
correta, óleo e filtros trocados, graxa nas homo cinéticas das duas rabetas,
etc. Tudo ok, menos um dos turbos compressores que não teve os parafusos de
fixação apertados. O Mondelo pegou o cliente e saiu com a lancha do iate clube
de São Vicente. Passou embaixo da ponte pênsil, foi até perto da Ilha Porchat e
voltou com toda a velocidade. A lancha saía da água que estava calma, querendo
voar. De repente uma fumaceira começou a sair do porão dos motores. Ele
encostou a lancha, desceu muito bravo e me mandou verificar. Parafusos soltos,
o gás de escape saiu por ali queimando a junta. Motores quentes no peito e
chuva fina nas costas, uma sexta-feira de manha. Tirei o compressor, raspei a
junta e montei tudo de novo e ele vendeu a lancha. No dia seguinte eu começava
a ter uma pneumonia...
Outra vez me
esqueci de apertar uma braçadeira de uma mangueira de água de refrigeração de
um dos motores da lancha de competição da empresa na corrida de “offshore”. Ela
em primeiro na corrida e já perto do final a mangueira se soltou e o motor
superaqueceu por falta de água de refrigeração. Como escutei o homem muito
bravo e dizendo que não fosse eu, que ele gostava, me punha na rua. Mais
experiência. Como estava aprendendo tanto na vida profissional.
Desmontava um
motor Mercedes, fazia as alterações, levava para dinamômetro onde fazia testes.
Fazia revisões, me sentia útil e profissional. Os dias passavam rápido, pois o
serviço, apesar de pesado, era muito gostoso. Um dia, nós fomos a uma fábrica
de lanchas para remover dois motores numa lancha que afundara devido ao peso
dos dois motores, superdimensionados para ela. Precisávamos pegar os motores e
trazer para a oficina para recuperá-los. O motorista do caminhão informou que
conhecia bem São Bernardo do Campo, que se virava bem por lá. Perdemo-nos e
ainda ele foi entrar com o caminhão numa pequena descida de barro no meio de
uma favela. O caminhão começou a escorregar e parou encostado nuns barracos.
Estava vendo a hora que não sairíamos dali. Precisou um trator nos ajudar.
Resultado, até chegar à fábrica, remover os dois motores, voltamos para a
empresa já de madrugada, aventura total.
Formei-me
engenheiro mecânico e ainda fiquei na BM Motores Marítimos por 6 meses e todos
brincavam me chamando de engenheiro peão. Um dia o Mondelo me chamou e me
disse. “Gosto de você, mas engenheiro aqui só tem um que sou eu. Você não vai
querer tirar o meu lugar já que sou um dos donos. Precisas correr atrás da
carreira, buscar algo já no teu perfil de engenheiro”. Ou seja, foi muito bom
comigo me incentivando. Corri no mercado atrás de algo já como engenheiro e não
mais “peão”, apesar de que aprendi muito, não me formei apenas na universidade
e sim no chão de fábrica.
Fui contratado
como gerente da filial no litoral da empresa de hidráulica e pneumática de São
Paulo, a Energydra. Eu estava responsável por desenvolver o mercado em todo o
litoral envolvendo bombas hidráulicas, comandos, pistões, válvulas, etc.
incluindo vendas e manutenção desses equipamentos. Consegui vários clientes,
tinha um mecânico e um técnico trabalhando comigo e era um trabalho bom, mas
estava preso pelo dono da empresa, o Pascoal. Queria ter liberdade de negociar
descontos, conseguir o mercado e não podia, pois ele dizia “se o cara não
quiser pagar o nosso preço que compre em outro”. No litoral a maioria dos
clientes preferia usinar um eixo de uma bomba, por exemplo, a trocar por um
eixo novo e isso foi me desanimando. Tanto que, depois que saí da empresa ela
fechou. Tanto a filial como a matriz em São Paulo.
Nessa época
também passava por um divórcio que me afetou muito profissionalmente, não
conseguia ter motivação para trabalhar como eu gostava.
Soube que
haveria um concurso público para entrar na Cosipa, Companhia Siderúrgica
Paulista. Por coincidência foi o último como estatal já que uns três anos
depois a empresa foi privatizada. Resolvi me inscrever. Era até para provar a
mim mesmo que era melhor do que eu me achava. Resultado do divórcio.
Fiz o exame na
FEI e passei. Para isso, em um mês, eu revi todas as matérias dos seis anos da
universidade. Estudava de dia e à noite, sábados e domingos. De mais de 300
candidatos sobraram uns 100. Outros cortes. Depois veio uma entrevista em grupo
que cortou outra leva. Finalmente fomos chamados para exames médicos e
psicológicos.
Neste processo,
como não havia certeza de aprovação, eu continuava na Energydra. Um dia o
Pascoal me chamou em São Paulo e me disse que sabia do processo, que eu o havia
traído. Eu deveria sair da empresa por minha conta, que ele não me mandaria
embora. Não entendia que todos nós profissionais devemos buscar também a
melhoria contínua e na empresa, que hoje não existe mais por causa dele, eu
estava estagnado. A minha preocupação profissional era sempre aprender ao
máximo, quando parava de aprender me sentia parado em relação ao mundo que
evoluía ao meu redor, ficava agoniado. Mas logo passei no concurso e fui
contratado pela Cosipa, só que perdi o fundo de garantia, etc.
Na Cosipa eu fui
direcionado para a área de utilidades o que foi ótimo. Os que foram para o alto-forno
viraram especialistas em alto-forno e assim por diante.
Eu, na área de
utilidades, estaria numa área interface com todas as unidades e processos da
usina. Nós, 30 contratados, ficamos como adjuntos dos gerentes das nossas
áreas. Eu como adjunto do melhor chefe que tive até hoje, o Edson, gerente de
manutenção de utilidades. Primeiro ficamos em integração por quase um mês
rodando todas as áreas da empresa, a melhor e mais eficaz integração que eu já vi
em todas as empresas até hoje.
Aprendemos a
conhecer as necessidades de cada processo e como nós poderíamos ajudar no
processo que iriamos trabalhar para com esses outros. Na minha área eu lidava
com a manutenção de tubulações, turbo-compressores, compressores de grande
porte, “pipe-racks”, bombas de água industrial e tratada, central termoelétrica
(5 caldeiras de grande porte), torres de resfriamento, gasômetros, etc.
envolvendo todos os tipos de fluídos incluindo criogênicos (oxigênio,
nitrogênio, etc.).
O melhor de tudo
é que interagíamos com os Altos-Fornos, Aciarias, Calcinação, Laminações, etc.
já que éramos os fornecedores de fluidos para estas unidades. Conheci toda a
operação de uma grande usina siderúrgica. Conhecia cada recanto, cada
equipamento, cada processo daquela usina que ocupava mais ou menos 9 000
funcionários fora os das empreiteiras chegando a 12 000. Nem foi uma escola
para mim, foi uma universidade. O meu gerente, o Edson, era ótimo, dizia que
não se importava como eu fazia desde que fizesse o que ele pedia. Ele me deixava
trabalhar e assim me desenvolvi muito. Acompanhava grandes paradas e reformas,
contratos com empreiteiras, introduzi diversas ferramentas e equipamentos para
manutenção preventiva e preditiva (análise de óleo, de vibrações nas máquinas
rotativas, ultra-som para medir velocidade dos fluidos e por consequência
incrustações internas nas tubulações, criação de uma planilha que calculava o
rendimento energético e volumétrico de compressores alternativos e centrífugos)
tornando a manutenção muito mais eficaz. Comecei, ainda naquela época a
implantar conceitos de qualidade e TPM, “Total Productive Maintenance”, etc.
Só que o Edson estava
com um câncer e muito agressivo. Cada vez que fazia quimioterapia ele se
afastava e eu assumia. Ele voltava e saia de novo até vir a falecer, um cara
ainda novo. Isto me atingiu muito, não esqueço a imagem dele no caixão até
hoje, gostava muito dele como pessoa e como meu gerente. Nunca mais tive um
colega como esse. Sempre para cima, altamente inteligente, super bem visto por
todos. Trabalhei na Cosipa seis anos dos quais me orgulho pelo que fiz e pelo
que ela fez por mim, me ensinando tanto.
Uma vez tivemos
uma greve de quase uma semana. Nós engenheiros tivemos de ficar dentro da usina
para operar os equipamentos que não poderiam parar. Um Alto-forno, quase da
altura de um prédio de dez andares, se parar, é perdido.
As ventaneiras
devem sempre manter o ar que vai sustentar a carga flutuando dentro dele e esse
ar era enviado pelos nossos turbo-sopradores. Os queimadores não podiam apagar
porque baixando a temperatura, todos os tijolos refratários que protegem a
parede de metal do Alto-Forno se desfariam. As bombas de água e as torres de
resfriamento não podiam parar, enfim a greve era para os operadores e nós
engenheiros deveríamos ficar lá operando. Peguei o meu kit “pelego” e fiquei
dormindo embaixo da minha mesa na minha sala por alguns dias.
Um dia, com
saudade da minha mulher, pulei a cerca da usina, fui ao estacionamento pegar o
carro e fui a casa. E para voltar e entrar na usina? Passei num corredor
polonês levando bordoada no pé do ouvido e sendo insultado de pelego, furador
de greve, filho disto e daquilo. Hoje eu rio da aventura.
Fora acidentes
que me envolviam e esses não eram para rir, mas me deram um enorme conhecimento
de segurança do trabalho.
Uma vez um
motorista de um fornecedor de GLP entrou para descarregar o gás para dois
tanques que possuíamos. O procedimento era bem claro que só o operador nosso
que poderia conectar a mangueira do caminhão no nosso sistema. Como ele não
estava presente no momento, o motorista conectou e abriu a válvula no caminhão.
A mangueira se soltou e começou a chicotear e lançando GLP para todos os lados.
Era só fechar a válvula. Também a ponteira da mangueira que batia no chão era
em bronze não provocaria faísca. O motorista, em vez disso, entrou no caminhão
e deu partida no motor para tirá-lo dali. Houve uma enorme explosão e ele
morreu queimado sentado ao volante. Lá fui eu dar explicações para a polícia
mostrando que o padrão não havia sido seguido. Pior que, diante do delegado, um
idiota de um chefe nosso questionava a manutenção do nosso engate. Que vontade
de lhe dar um pontapé. Estava tudo OK e ele querendo ainda complicar as coisas.
Era trabalho
pesado, nos fins de semana ficávamos de plantão com uma pasta com os telefones
de todas as áreas e seus líderes e um bipe. Quando tocava, mesmo que estivesse
em lugar indiscreto (motel, por exemplo, como aconteceu uma vez), tinha de
acionar os envolvidos e coordenar o atendimento para resolver o problema.
Produção contínua em indústria não pode parar.
Também foram
diversas aventuras pessoais como ir para a empresa de carro e voltar no
transporte da empresa esquecendo o carro lá. Ou voltar para casa no transporte
da empresa com o capacete e ter de voltar com ele no dia seguinte, minha vida
de aluado...
Com a Cosipa
privatizada, comprada pela Usiminas, houve restruturação e eu fui colocado como
analista industrial, uma área de engenheiros visando melhorar os processos
através do nosso conhecimento e experiência. Comecei a trabalhar em cima de
problemas e reduções de custos e aumento de produção.
Estava ocorrendo
a baixa do nível de água do rio onde era captada a água de refrigeração das
Laminações. Era a água que se jogava em cima das chapas no processo de
laminação. Com essa baixa do rio, a água do mar estava invadindo o mesmo e o
sal estava sendo captado pelas bombas e sendo jogado em cima das chapas.
Ou seja, estávamos
jogando água salgada em cima do produto e ainda quente. Venderíamos chapas de
aço novas com incrustação de sal.
Criaram uma barragem
flutuante para impedir a entrada de sal. Piorou. Reunião daqui, reunião dali e
não se entendia o que estava acontecendo. Resolvi agir. Precisava coletar água
à jusante e à montante da barragem, na superfície do rio, no meio e no fundo e
levar essa água para o laboratório de águas que tínhamos. Virei pescador de
água.
Peguei um ferro
bem comprido para servir como vara de pesca, na ponta uma garrafa com um peso
amarrado no fundo e uma rolha de cortiça. Nessa rolha havia um barbante que
vinha pela vara até a mim. Deixava a garrafa mergulhar onde eu queria e puxava
a rolha captando assim a água. Recolhia essa água e a colocava em pequenas
garrafas, identificava e levava para análise no laboratório. Depois traçava os
resultados em gráficos. Com isso identifiquei que a barragem na maré alta
permitia água salgada passar por cima e na maré baixa essa água voltava sem o
sal. Criamos um depósito de sal decantado justamente na bacia de sucção das
bombas piorando o problema. Barragem removida. Engraçado foi me verem sentado
na beira do rio pescando em pleno horário de trabalho. E não conseguia um
peixinho sequer, só água.
Outro projeto
importante. Havia um anel de tubulação de ar comprimido alimentado por várias
salas de compressores alguns dos quais velhos e alternativos com um custo de
manutenção alto. Este anel, com o aumento da produção de aço da usina já não
atendia a demanda por ar comprimido das unidades. Em compensação havia dois
compressores parafuso na Aciaria II, superdimensionados, que viviam aliviando
para a atmosfera. Eram potentes demais para o consumo da Aciaria e com isso
viviam tendo problemas nas válvulas de alívio, fora o dinheiro jogado fora com
ar comprimido não aproveitado. Junto com a engenharia criamos uma interligação
desses compressores com o anel e tivemos um retorno enorme.
Também, com o
aumento de produção de aço, os conversores precisavam de mais oxigênio injetado
neles. Esse oxigénio, através de lanças que entravam no conversor, uma enorme
panela, se misturava ao carbono o removendo do ferro líquido. Assim o ferro
líquido vindo do Alto Forno virava aço com a quantidade de carbono especificada
para o tipo do aço que o cliente queria. Também se adicionava manganês,
calcário, etc.
Nós éramos
responsáveis pelo oxigênio e pela água de refrigeração das chaminés dos
conversores.
Numa reunião alertei
que o aumento de oxigênio necessário para a nova demanda poderia provocar
explosão no conversor, pois não haveria tempo da queima de todo ele. Riram e um
dia houve a explosão. Graças a Deus não atingiu ninguém. Alertei também que
haveria queda de pressão de oxigênio na rede se operassem mais de um conversor
ao mesmo tempo. Novamente riram e aconteceu.
O aumento de
gases saindo pela chaminé, mantendo-se a mesma refrigeração acarretaria
degeneração das tubulações e vazamentos de água dentro do conversor.
Água caindo no aço líquido provocaria
explosões. Dito e feito. Mudanças foram feitas seguindo minhas recomendações.
Foi até montado um tanque pulmão de oxigênio para atender os picos de demanda
sem queda de pressão na rede de tubulações.
Possuíamos um
gigantesco “aircooler” para refrigerar a água. Para limpá-lo e o deixar com bom
rendimento gastaríamos mais ou menos R$ 1.5 M e não conseguiria atender a
demanda da nova produção de aço. Junto com um fornecedor projetamos um trocador
de placas pelo custo de aproximadamente R$ 600.000, metade do tamanho e com o
dobro da capacidade do velho “aircooler”. Um projeto meu e que me deixou muito
orgulhoso. Pena que depois que saí da empresa os méritos foram para um gerente
da área de utilidades, o qual não tratou de nada do assunto, só deu a partida
no equipamento. Deixa para lá, ele até já faleceu à anos e eu estou orgulhoso
comigo mesmo pelo projeto, auto realização.
Outra realização
onde também aprendi mais. Começamos a ter as tubulações em geral na usina com
muita corrosão principalmente na superfície superior onde recebiam as chuvas.
Comecei a pesquisar e descobri que os gases expelidos pelas nossas cinco
caldeiras continham muito Dióxido de Enxofre (SO2) que, misturado com a água,
originava um ácido fraco, chamado ácido sulfuroso (H2SO3). Criávamos uma quase
chuva ácida sobre toda a usina ajudando na corrosão generalizada. Fiz o
relatório e passei para a gerência da termoelétrica para que fossem feitas
melhorias na filtragem dos gases das chaminés das caldeiras ou na combustão
para que fosse gerado menos desse gás.
Numa outra vez
começamos a ter redução de pressão de gases da coqueria nas tubulações. O gás
de coqueria era resultado do aquecimento do carvão para que secasse e se
transformasse em coque e fosse lançado como combustível nos Altos-Fornos. Peguei
o meu inspetor e fomos medir com ultrassom a velocidade do gás e, pelo diâmetro
da tubulação, calculamos a redução do diâmetro interno da mesma. Havia grande
restrição. Purgamos a linha com nitrogênio para não haver explosão e cortamos
uma pequena janela no fundo da tubulação e retiramos uma borra espessa que
enviamos para analise.
Descobrimos que
os secadores da Coqueria não estavam funcionando adequadamente e a umidade
jogada na tubulação originava essa borra que endurecia e reduzia o diâmetro
interno da tubulação aumentando a velocidade e queda da pressão.
Em outra ocasião
tivemos outro problema. Os nossos “pipe-racks”, estruturas que suportam as
tubulações ao longo da usina, eram feitos de um aço considerado ótimo contra a
corrosão.
E não precisava
de pintura. Ele criava uma camada de ferrugem em toda a sua superfície que agia
como camada protetiva contra oxidação.
Acontece que um
“pipe-rack” sofre movimentações e pequenas deformações que quebravam essa
camada formando outra camada e, assim, ia perdendo espessura ao longo do tempo.
Na nossa rotina de inspeção de manutenção preventiva eu resolvi colocar a
medição de espessura dos “pipe-racks” e o meu inspetor de tubulações e estruturas
descobriu que a mesma estava sendo reduzida pela constante quebra da camada
protetiva. Tivemos de pintar os “pipe-racks” indo contra, na época, muita gente
que dizia que isto comprometeria a imagem do produto, que não precisava de
pintura. Mas para aquela aplicação não servia sem a pintura. Claro que hoje,
com as novas tecnologias e a evolução da Cosipa, hoje Usiminas, este problema
deve estar resolvido.
Nos nossos
compressores, cada vez que um desligava por alta temperatura de descarga a
equipe de manutenção começava a atacar sem análise prévia. Vamos olhar as
válvulas de descarga, pode ser que algumas estejam travadas. Não era. Vamos
olhar o Intercooler se está sujo, não era. Complicado com máquinas enormes que,
para acesso, havia a necessidade de montar andaimes. Criei um programa em Excel
que traçava gráficos de rendimento térmico, volumétrico e energético.
Semanalmente o inspetor media as temperaturas nos estágios do compressor, a
vazão de ar comprimido no momento, pressões, amperagem, etc. e lançava na
planilha. Ela automaticamente dava os rendimentos e mostrava as tendências nos
estágios e no intercooler. Isto simplesmente reduziu o tempo de parada de cada
máquina pela metade e a equipe não era mais simples trocadora de peças.
Iniciava assim a manutenção preditiva.
Resumindo, fui
sendo conhecido pela perspicácia, pela visão de riscos e de prevenção que
sempre me acompanharam. Sempre tive uma visão sistêmica muito grande, ver o
todo. Isto me ajudaria muito na aviação e na área da qualidade, no futuro.
Fiz um
levantamento de todas as perdas de utilidades por consumos inadequados (por
exemplo, mangueiras de ar comprimido resfriando mancais de máquinas rotativas),
vazamentos, etc. incluindo ações mostrando os retornos que a empresa teria.
Então vários engenheiros da matriz da Usiminas, MG, foram chamados ao Cubatão
para melhorar os processos da Cosipa, agora já sua propriedade a algum tempo.
Coincidência, todo o trabalho feito por eles apresentou o mesmo que eu havia
relatado e que estava nas gavetas da superintendência.
Hotel, horas
extras, tudo gastos para eles dizerem o mesmo que eu já havia mostrado. Isto me
desapontou muito pelo que sabiam da minha experiência e conhecimentos. No mesmo
período surgiu uma ideia com um amigo, que também trabalhava na usina, de
comprarmos um avião e partirmos para uma empresa de táxi-aéreo.
Na Cosipa eu
conheci o Bráulio um instrutor de elétrica do SENAI que ministrava cursos e
treinamentos internamente à usina. Ele fazia paraquedismo comigo, ambos alunos
do mestre Djalma Vieira.
Começamos a
sonhar em ter um avião para lançar paraquedistas. Ganhar dinheiro e saltar de
graça. Mostrei a ele que só para paraquedismo não compensava o alto
investimento de comprar um avião. Precisávamos usar ele em outras atividades e,
para isso, éramos obrigados pela legislação aeronáutica a abrir uma empresa de
táxi-aéreo.
Pedi ao meu
superintendente que me demitisse para poder pegar o fundo de garantia e todos
os valores necessários, vender o carro, meu paraquedas completo e com a ajuda
do Bráulio que vendeu tudo e ainda pegou dinheiro emprestado da mãe dele
partirmos para a aviação. Os colegas da Cosipa, meu chefe, etc. me chamaram de
louco varrido, mas, mais tarde, como verão mais à frente neste texto, agi
corretamente em não ter ficado lá.
Na TASA, Táxi
Aéreo e Serviços Aeronáuticos nós fazíamos inúmeros voos panorâmicos sobre o
litoral com turistas, prestávamos diversos serviços de fotografia aérea,
lançávamos paraquedistas, pequenas viagens, etc. Até lançamento de cinzas de
pessoas falecidas nós jogávamos sobre o mar. Gastamos muito dinheiro para
deixar a aeronave correta e a empresa como um exemplo tanto que ficamos bem
conhecidos pelas autoridades aeronáuticas. Eu era o diretor de operações e
piloto comercial. Após aproximadamente 3 anos de operação e já começando a ter
lucro passamos pela maior decepção que poderíamos ter. Numa história contada em
outro livro sobre a minha vida na aviação eu mostro os detalhes. A nossa
aeronave foi roubada por traficantes de drogas e levada para a Bolívia. O governo
desse país se apoderou dela, eu estive lá tentando recuperá-la e quase não
voltei. Ficamos quase dois anos parados e eu apenas ajudando como diretor de
segurança de voo do aeroclube de Praia Grande. Essa experiência na aviação e as
palestras que eu fazia sobre prevenção na aviação me ajudaram a conseguir
realizar o meu sonho, trabalhar na Embraer uma das maiores fabricantes de
aviões do mundo e orgulho do Brasil.
Fui contratado
na Embraer como engenheiro de segurança de voo e era responsável pela prevenção
nos processos produtivos e pátios de operações, interface com a qualidade da
produção, investigação de acidentes aeronáuticos, etc. Alta tecnologia,
interface com todos os processos, participação em diversos simulados
aeroportuários, enfim aprendi muito nessa empresa. Infelizmente por problemas
pessoais, após três anos, saí da empresa.
O problema é que
ao estar na aviação você fica estigmatizado como especialista apenas em aviões
e eu era mesmo. Ficava difícil voltar para a indústria.
Finalmente consegui
ser contratado e voltar à indústria. Entrei na Hitachi ar Condicionado do
Brasil em São José dos Campos. Sempre me senti bem lidando com os japoneses,
sempre fiz boas amizades com eles e agora estava numa empresa onde o presidente
e diretores eram japoneses natos, alguns dos quais nem falavam bem o português.
Fui trabalhar na
Qualidade da fábrica como analista da qualidade, lidando diretamente com
sistemas da qualidade, norma ISO 9001:2008, etc. Estava numa área que eu
adorava e a qual eu já havia trabalhado indiretamente várias vezes desde a
época da Cosipa.
Com a ajuda do
meu gerente, o Bordignon, o qual era um bom profissional e um bom chefe, eu
comecei a aplicar as ferramentas da Qualidade e a usar os requisitos da norma
para melhorar os processos, reduzir custos e não conformidades e melhorar a
satisfação dos clientes que no primeiro nível eram os nossos concessionários.
Comecei a convocar os processos em equipe para discutirmos problemas usando as
ferramentas para identificar causas e ações corretivas. Um dia o diretor Sato san
me viu dentro de uma sala de reunião com diversos gerentes. No quadro estava um
diagrama de Ishikawa onde discutíamos as causas de um problema. Depois ele me
disse que isso não adiantaria. Que as pessoas no Brasil não tinham esse hábito,
essa cultura. Como sempre tive um pouco de professor e na qualidade somos como
consultores, eu consegui reverter isto. Um dia o chamei e mostrei um gerente de
projeto com a equipe na sala e o diagrama de causa X efeito no quadro e sem
mim, iniciativa deles. Sato san apenas sorriu e foi embora satisfeito.
A reunião mensal
de garantia com a presença de todos os gerentes, diretoria e o nosso presidente
sr. Shigekichi Kochiyama,
virou um Comitê da Qualidade onde, além de custos, começamos a fazer os
gerentes apresentarem seus indicadores de desempenho e ações para melhorar seus
processos. Também havia uma falha na sintonia de novos produtos com os
processos da fábrica impactando em Compras com os fornecedores, em Qualidade no
uso dos laboratórios de ensaios dos protótipos, nas linhas de produção para
montar os mesmos, etc. Resolvi implantar algumas das ferramentas do PMBOK
(“Project Management Body of Knowledge”) do PMI (Project Management Institute).
Com estas ferramentas a criação de um novo produto envolvia todos os processos,
identificação de riscos e ações mitigadoras, processo de comunicação,
cronogramas, etc. Usamos a ferramenta MS Project para ajudar. Com isto
reduzimos violentamente as interferências dos projetos nas linhas de produção.
Interessante um
dos exemplos de identificação de riscos (Risk Assessment) e gestão de riscos
(Risk Management), introduzido na fábrica através do PMBOK. Criamos um
formulário para listar as tarefas de um projeto, riscos inerentes
(Probabilidade X Gravidade X Severidade), prioridade (NPR (Number Priority
Risk)= PXGXS) e daí as ações necessárias para evitar ou mitigar os riscos
levantados. A primeira aplicação foi num trocador que seria montado num
“Chiller” e fabricado por um fornecedor nosso.
Juntei os engenheiros e comecei a aplicar a ferramenta. Identificamos
riscos que ninguém lembraria.
Um dos riscos
era a movimentação dos trocadores dentro da fábrica. Ninguém havia lembrado que
eram bem pesados e precisaríamos de carrinhos de transporte interno reforçados.
O que olhar no fornecedor, testes necessários, entrega dos trocadores conforme
nosso acionamento para não impactar no caixa da empresa, etc...
Foi o começo do
uso da ferramenta para gerenciamento de riscos e ainda nem se pensava na nova
ISO 9001:2015 que dará tanta ênfase a este assunto. Eu havia aprendido sobre
este assunto na Prevenção dentro da Aviação.
Também
coordenava os inspetores de qualidade das linhas de produção, a inspeção de
recebimento de materiais usando um laboratório de qualidade e coordenava o
Sistema de Gestão da Qualidade incluindo as auditorias internas e de
certificação.
Criei o Jornal
da Qualidade e diversas ações para redução de não conformidades e para
atingimento das metas pelos processos. Agora além de aprender mais, também
podia aplicar a minha experiência toda. Tornei-me auditor líder e consegui através
dos requisitos da norma mostrar o quanto ela era importante para a melhoria
contínua da empresa. Trabalho de formiguinha, de mudança cultural e
convencimento da diretoria e da presidência.
Tinha uma
relação muito grande com o processo de RH (Recursos Humanos) da empresa. Afinal
eu gostava muito da relação com o ser humano que fazia os processos e a
qualidade. Definição de competências, treinamentos, etc. Na Hitachi conheci um
auditor da certificadora ABS chamado Celso Yamamoto que me ensinou muito sobre
auditoria, normas e até hoje o considero um amigo, pena que estamos longe.
Então, quando eu
estava me sentindo realizado, que tudo começava a funcionar como um relógio ocorreu
a mudança da presidência. Cada presidente ficava no máximo 5 anos e voltava
para o Japão. Comecei a pensar se teria que repetir tudo de novo. Mudar a
cabeça do novo presidente, mostrar novamente a necessidade de tudo o que havia
implantado. Não sei se teria força para tudo de novo. Um dia, sem nenhuma
pretensão, entrei em contato com o presidente da TAM Jatos Executivos. Eu o
havia conhecido numa feira aeronáutica em Sorocaba com a pretensão de comprar
um Cessna Caravan, avião turboélice para 9 passageiros, para uso na TASA.
Propus a ele um
projeto de levar para a aviação os conceitos da qualidade usada na indústria já
que a aviação tinha e tem até hoje uma visão muito voltada para o cumprimento
da legislação e não muito com o foco na eficácia dos processos, na satisfação
dos clientes. Quem sabe ter a empresa certificada pela NBR ISO 15100, indústria
aeroespacial. Imediatamente ele me mandou procurar o diretor da empresa no
aeroporto de Jundiaí, interior de São Paulo. Pela terceira vez eu poderia
voltar a atuar na aviação. Conversei com o meu diretor, Sato san na Hitachi
sobre a minha saída após três anos e ele ficou muito decepcionado, percebi isto
no seu rosto.
Realmente eu não
sabia que aquele havia sido um erro que não deveria ter cometido, o de voltar
para a aviação onde só tinha passado por maus momentos. A TASA, a Embraer e
agora a TAM. Mesmo sendo útil para a minha carreira, mesmo tendo aprendido
bastante, na aviação só tive desapontamentos. Cheguei a parar o carro na
estrada e ligar para a Hitachi para me aceitarem de volta, mas a confiança já
estava perdida e eles tinham razão.
Além de não ter
dado muito certo já que o interesse era apenas atender o FAA americano e o DAC
e depois a ANAC do Brasil, também ocorreu o estouro da bolha na economia nos
USA. Quem tinha avião não queria fazer manutenção, deixava-o parado.
Quem iria
comprar avião, desistia. Eu estava com menos de um ano de trabalho e com um
salário bom. Unindo tudo, fui demitido. E o presidente também. A aviação me
prejudicando mais do que me ajudando, novamente.
Um tempo
desempregado, cidade que eu não gostava. Morávamos num bairro de periferia com
uma pequena favela liderada por traficantes no final da rua, enfim, não era
exatamente o que eu buscava.
Tivemos de fazer
brechós na garagem para arrecadar dinheiro e também pagar as contas com a ajuda
da pequena pensão da minha mãe que a anos morava conosco.
Fui procurando
emprego até que fui chamado para uma entrevista numa empresa em Cotia. Marcamos
o dia e lá fui eu. De Jundiaí lá era uma hora e pouco de rodovia e muitos
pedágios, mas precisava trabalhar. Chegando já fiquei meio preocupado com o
local. Depois quando entrei na empresa tomei um susto com a primeira visão.
Muita desorganização, impressão de uma empresa de fundo de quintal. Mas eu
desempregado e também vi como uma oportunidade de implantar todo o meu
conhecimento e transformar a empresa. Fui entrevistado pelo filho do dono, o
Neto, um jovem, mas com uma cabeça que depois eu me identifiquei. Pensando em
frente, querendo crescer, fazer melhor, sabendo ouvir.
Estava
contratado pela Expander Manutenção respondendo ao Sr. Nelson e ao filho dele o
Neto.
Resolvi começar
as mudanças através da norma ISO 9001:2008. Trabalhávamos na maioria dos
serviços para a Petrobras, tanto para as refinarias como para as plataformas.
Um cliente extremamente desorganizado, muita bagunça, cada plataforma com
exigências diferentes, inspetores nos visitando para acompanhar os serviços e
nos cobrar pressa uns contra os outros, tipo mesmo de uma estatal, muitos
donos. Fazíamos manutenção de grandes trocadores de calor e construíamos
outros. Caldeiraria e soldagem pura, metalurgia. Com as minhas mudanças
começaram os ciúmes, fofocas através de e-mails e eu sabendo de tudo.
Com a minha
experiência comecei a mudar os processos, as pessoas de cargos, a revisar
procedimentos, criei o Comitê da Qualidade que se reunia uma vez por mês,
começamos a reforçar treinamentos, criei na entrada painéis com informações de
produção e qualidade, pintamos todo o piso da fábrica e o seu aspecto melhorou
enormemente. Criei a reunião diária de produção envolvendo todos os processos
para definir prioridades do dia, necessidades, ações, etc. Apesar de jovens, os
profissionais que respondia a mim eram muito inteligentes e conheciam muito do
“riscado”, só não tinham a minha experiência.
Como era longe
de casa eu fiz a experiência de dormir durante a semana numa casa da empresa
que ficava no bairro e onde ficavam alguns funcionários. Contudo não aguentei,
não dava mais para ser gerente industrial e dormindo fora de casa. Isso era
para as épocas de obras que eu já havia passado, não queria retroceder. Mudei
para uma cidade um pouco mais perto, São Roque, onde vivo até hoje, terra do
vinho.
Era um trabalho
bastante estressante, pois lidava com a prepotência da Petrobras que achava que
tudo tinha de ser do seu jeito. Nós éramos certificados ISO, seguíamos
direitinho todos os requisitos. Também tínhamos PCMSO, Programa de Controle
Médico de Saúde Ocupacional, ASO, Atestado de Saúde Ocupacional para nossos
funcionários ainda mais aqueles que precisavam trabalhar dias e dias nas
plataformas no meio do mar. Ainda assim a pressão e ameaças constantes de
multas eram constantes, as auditorias eram constantes e cada um exigia algo
diferente demonstrando uma total falta de padronização.
Um dia tivemos
de fazer manutenção num dos grandes trocadores de calor da Central
Termoelétrica da Cosipa, a casa de Força. Eu voltaria a visitar a minha
universidade. Que decepção, meus colegas continuavam do mesmo jeito, mesmos
cargos, nem os móveis das salas de reunião mudaram. Pelos pátios também percebi
tudo igual. Consegui perceber que eu ter saído dali para arriscar a montar a
empresa TASA de táxi-aéreo não tinha sido errado não. Nunca devemos ter medo de
desafios, não devemos é fugir deles e ficarmos vegetando no tempo.
Na Expander gostava
muito de todos, da família, mas estava como Pessoa Jurídica, PJ, onde tudo o
que ganhava ia para pagar impostos, plano de saúde, etc. Estava difícil. Surgiu
então uma oportunidade numa empresa do grupo Fiat, a CNH, Case New Holland. A
Case se uniu com a New Holland e estas foram compradas pelo grupo Fiat. Tudo
virou a CNH construindo máquinas agrícolas (colheitadeiras, tratores, etc.) e
máquinas de construção com uma fábrica em Sorocaba, aonde eu viria a trabalhar.
Uma fábrica em Curitiba e uma em Contagem. Mais tarde se uniu ao grupo a Iveco,
fábrica de caminhões, ônibus, blindados, etc. e a FPT, Fiat Power Train,
fabricante de motores. Estava finalmente criada a CNH Industrial.
Hoje sou
supervisor de P&S, Parts And Services, LATAN, Latin America com dois
depósitos no Brasil e dois na Argentina.
O de Sorocaba,
onde fico, é um dos maiores da América Latina. Não quero escrever sobre o
trabalho atual já que não é ético mostrar a empresa.
O objetivo deste
pequeno livro é lhes mostrar todas as dificuldades que podemos ter na nossa
carreira pessoal e as oportunidades de aprendizado que nos são apresentadas com
essas dificuldades. É sabermos usar o limão para fazer uma saborosa limonada.
Nesta minha carreira eu percebi certo dom de liderança, pois independente da
posição hierárquica dos parceiros eu me fazia ouvir. Mesmo como subalterno eu
conseguia mostrar os caminhos.
Sempre fui muito
a favor da padronização, pois é através dela que se retém o conhecimento.
Sempre lutei por
processos escritos. Fica mais fácil manter-se o padrão, treinar as equipes, se
identificar o que deu errado. Sempre me destaquei porque atualmente só se
corre, se apaga incêndios, se busca a competitividade e não se para um pouco
para planejar, para pensar. Vejo tantos virarem bombeiros apagando incêndios e
não se preocupando em descobrir a fonte do fogo. Eu questiono, penso lá na
frente, cobro a busca da causa raiz dos problemas para que eles não sejam
reincidentes.
Sejam criativos,
busquem as causas que elas os ensinarão muito. A busca das causas, em equipe,
vai torna-los fortes e deixarão os processos mais coesos.
Na empresa atual
criei o Comitê da Qualidade onde os processos se comportam como clientes uns
dos outros cobrando soluções desses fornecedores internos. Isto abriu muito os
canais de comunicação entre processos e fez com que se quebrassem as caixas
fechadas em que os gestores ficam. Tenta-se dessa maneira acabar com as mini
empresas dentro da organização. Cada um está preocupado em atender os seus
clientes internos e com o foco no cliente final. Isto torna a organização mais
forte e já tive muita experiência com isso. Outra coisa é saberem identificar
os pontos fortes e fracos dos membros da sua equipe. Saiba usar os pontos
fortes e tente melhorar os fracos. Lembro que todo o ser humano tem pontos
fracos e erra. Portanto antes de culpar um funcionário entenda que, primeiro, houve
uma falha no processo. O mesmo tinha uma brecha que deixou a falha, o erro
humano, passar e se tornar um problema.
Logo verifique
seus processos com visão de análise de riscos.
A nova norma ISO
9001:2015, que já está no forno, tem um foco muito grande nisto.
Aplique
fortemente os conceitos de Identificação de Riscos (“Risk Assessment”) e Gestão
de Riscos (“Risk Management”) desde os objetivos estratégicos da organização
aos processos em si. Usando estes conceitos, a prevenção na tomada de decisões
estará forte e fará com que ações mitigadoras nos riscos evitem dissabores,
prejuízos e insatisfação dos clientes.
Sempre pergunte,
para tudo que vai decidir ou implantar, quais os riscos, probabilidades e
severidades caso aconteça o problema. Com isso você pode criar ações
mitigadoras para eliminar esses riscos ou minimizar as consequências.
Se fizer isto em
equipe então, a troca de experiência, de conhecimentos, tornará a organização
fortíssima.
Use a pirâmide
de Maslow para entender onde você e os seus estão localizados nas suas
necessidades. Isto o ajudará a entender o ambiente profissional seu e da sua
equipe. Claro que nós flutuamos em diversos níveis da pirâmide dependendo do
momento.
Se estivermos
desempregados não estaremos preocupados em estar no topo, na “realização
profissional” e sim na base, na “sobrevivência”. Mas ajuda muito. Eu atualmente
estou no topo. Quero me realizar passando minhas experiências e por isso
escrevi este pequeno livro. Não para aparecer, não preciso disto, mas para
ajudar os outros a serem melhores profissionalmente com o meu exemplo de
carreira, com erros e acertos como humanos que somos. Estamos em constante
aprendizado e evolução.
Carlos Filipe dos Santos Lagarinhos
01 de Maio de 2015 - dia do trabalho