domingo, 9 de janeiro de 2011

Cultura do atropelo

Completando o texto anterior e reforçando a necessidade de mudarmos...

Quando focamos nossas atividades, nossos objetivos sejam eles particulares ou na nossa empresa, nós costumamos seguir o ambiente, a cultura da sociedade. Hoje temos um mundo globalizado com uma cultura baseada no “fast” (rápido) e no “Do It now” (faça isso agora). Tudo é na pressa, no atropelo, nada é planejado e, pior, quando temos problemas, sempre dizemos que não temos tempo para estudar o que ocorreu. Vamos lá consertamos e continuamos no atropelo. Um produto é criado ás pressas sempre com o foco de se lançar o mesmo antes do concorrente. O que temos percebido, por exemplo, em várias marcas de carros? Escutamos várias vezes a frase “não é bom comprar modelo novo, deixemos passar um tempo para ver se não vai dar problema...”. Desde o projeto, ensaios, fabricação, lançamento, etc. tudo com a cultura do “fast” do lançar primeiro. Depois vemos inúmeros “recalls” das marcas devido a problemas no novo carro. Que tal começarmos a pensar numa cultura “slow” (devagar). “Slow food” para melhor digestão, “slow work” para maior planejamento do que nós fazemos. Não seria muito mais interessante para a montadora perder do concorrente na data de lançar o modelo novo, contudo lançar um modelo com uma imagem muito melhor, sem problemas, com uma garantia maior do seu produto? Um produto sustentável no mercado e não aquele que saiu primeiro?
O ser humano é por natureza um curioso. Não se satisfaz apenas com o conhecimento, com apenas obter a informação da realidade. Ele quer criar relações entre aquela informação com as que ele já possui na sua mente. Quer comparar, analisar e, essa é a fonte do conhecimento. Por isso o conhecimento é único, individual. Sem essa curiosidade do ser humano, sem a sua insatisfação com as verdades que explicam os fenômenos/eventos, não haveria conhecimento. O conjunto de todos os conhecimentos de todos nós é que forma o saber de uma sociedade. Com a cultura do “fast”, da globalização de hoje, do consumismo, do “apaga incêndios”, onde fica essa curiosidade, essa inquietação do ser humano? Não estamos tendo tempo de pensar, pesquisar, planejar, criar. Para fazermos ciência precisamos observar. Através da observação conhecemos e compreendemos a natureza, os fenômenos/eventos, os outros seres. Se não temos tempo de observar como teremos a ciência, como teremos tempo para comparar as informações e gerarmos novos conhecimentos. E se o saber é a soma de todos os conhecimentos da sociedade, como teremos uma sociedade com saber? Nas nossas empresas, quando temos um problema, uma não conformidade de um produto ou processo, o que fazemos? Mais uma vez a pressa não nos deixa pensar, identificar a causa, criar ações corretivas baseadas em fatos e dados derivados de uma investigação. Partimos para arrumar o problema e, com certeza, ele voltará, afinal não tivemos tempo para identificar a causa. Apagamos o fogo sem identificar a fonte do mesmo.
Fazemos projetos de novos produtos sem a área da engenharia se reunir com todos os processos e discutir o novo produto. Os prazos dos fornecedores atenderão? Existem fornecedores qualificados no mercado? A produção tem a sua linha preparada? Existem ferramentas adequadas? O laboratório para os ensaios do protótipo está livre? Foram levantados os riscos tanto do projeto como dos processos de produção? Levantamos históricos de outros produtos semelhantes para reduzirmos os problemas nesse novo projeto, ou seja, temos registros de “lessons learned”, aprendemos com os erros ou nem tempo temos para vermos os erros e aprendermos com eles?
Quando falamos em ciência lembramos que a principal meta dela é a compreensão da realidade e depois dominarmos essa realidade em favor do ser humano. Como a ciência está interligada aos fatores políticos e sociais do nosso contexto e este é da cultura do “fast”, do atropelo, como compreenderemos a realidade se não temos tempo. Precisamos atingir prazos, vencer o concorrente pela pressa e não pela qualidade. E como dominarmos a nossa realidade para a melhoria da humanidade se nós não temos tempo de observar, de pesquisar? Para que o conhecimento possa ser criado há a necessidade do sujeito, aquele que pesquisa, que pensa, que analisa, que registra o que aprendeu. Este sujeito de hoje não tem mais tempo para pensar, de analisar, pesquisar. O que deveria ser pesquisado que são os fenômenos/eventos e seres que nos rodeiam ficam aí sem serem modificados a nosso favor, pelo contrário, ou não servem para nada ou são destruídos no nosso atropelo pelo consumismo, pelo global. Por fim, o conhecimento tem o terceiro elemento que é o registro, a representação dada pelo sujeito aos fenômenos/eventos. Não temos tempo nem de observar, pesquisar, quanto mais registrar. E assim não temos conhecimento que deveria transformar a realidade em nosso benefício. Talvez isto explique a falta de novos Eisteins, Isaac Newtons, Fleming, etc. Ou explique o materialismo vivido hoje, o imediatismo, tantas pessoas sem objetivos e dominadas pelo errado. Que tal acabar com o atropelo e aprender com cada minuto vivido, seja ele bom ou ruim? Pesquisemos a nós mesmos e busquemos mudar a realidade do que nos cerca para melhor vivermos. Não esqueçam que a evolução da humanidade foi feita devido a curiosidade nossa em pesquisar a realidade, modificá-la e com a modificação obter novas realidades e novos desafios. Hoje estamos nos tornando robôs sem termos tempo de pensar, de pesquisar a nossa realidade. De crescermos com ela.

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