sábado, 12 de fevereiro de 2011

Pequena história de descumprimento das normas

Era uma vez uma empresa que gostava de satisfazer os seus clientes. Esses clientes na sua maioria eram sempre apressados. Os seus processos eram críticos, precisavam ter todos os equipamentos funcionando e quando acontecia uma anormalidade eles queriam e precisavam de manutenção urgente. Podiam ser clientes donos de empresa aérea onde seus aviões não podiam ficar parados com os passageiros reclamando de atrasos, podiam ser donos de navios que, parados no porto, pagavam altas taxas de estadia. Podiam ser clientes de uma unidade industrial a qual poderia levar horas e dias para voltar a operar se tivesse uma parada, podiam ser clientes de uma plataforma de petróleo que iria ter de queimar em seus “flares” toneladas de gás num prejuízo imenso para a empresa, etc. É claro que a nossa empresa, personagem desta história, gostava de dizer sim sempre aos seus clientes. Ganhava da concorrência sempre pelo atendimento imediato e num prazo extremamente imediato. Mas por diversas vezes o seu cliente ficava insatisfeito, até bravo, devido à quantidade de retrabalhos e problemas nos seus equipamentos. O que acontecia?
Todos entendem o que é padronização de processos? Todos entendem o porquê das normas e seus requisitos? Digamos que um dos clientes teve problema num dos seus produtos e que necessitava uma soldagem. As normas dizem que o processo de soldagem deve ser qualificado, o soldador deve ser qualificado, devem existir documentações mostrando como deve ser a soldagem, etc. Mas a nossa empresa personagem desta história, na imensa vontade de atender a urgência do seu cliente achou que bastava enviar um dos seus soldadores que tudo estava resolvido. Esqueceu-se de seguir as normas. Havia necessidade de um pré-aquecimento e um pós-aquecimento na região da solda? Que tipo de consumível (material a ser adicionado na soldagem) deveria ser usado? Quais cuidados em relação à limpeza? Mas para que perder tempo com procedimentos, normas? Isto é parte de gente burocrática que engessa as coisas. Como dizer a um cliente desesperado que não podemos atendê-lo imediatamente porque falta um documento, um papel? Ou porque o soldador só pode ser aquele qualificado e que ainda vai ter de viajar para a indústria do cliente? Não basta contratar um lá na cidade do cliente? Se o profissional é soldador, basta mandar ele para lá e satisfazemos o cliente com a rapidez e prontidão em atenda-lo. De repente esta cultura de não atender as normas e requisitos dá a sua resposta. O equipamento reparado pela empresa, personagem desta história, começa a dar problemas de vazamento, a unidade para com prejuízos enormes e há a necessidade de novo reparo. Mesmo que seja um reparo menor, mesmo que a nossa empresa vá rapidamente corrigir o problema, o mal foi feito. A insatisfação do cliente será muito maior, ninguém gosta de retrabalho, fora que a esperança de um problema resolvido sendo destruída cria uma insatisfação muito maior. A imagem da empresa com certeza será comprometida enormemente. Mostrará falta de eficácia nos seus serviços. Mostrará falta de qualidade nas suas tarefas e mostrará falta de competência dos seus profissionais. Criará uma imagem de “gambiarreiro”. O que fazer para reduzir estes problemas?
Toda e qualquer norma, procedimentos ou requisitos derivam de “lições aprendidas” por falhas, avarias, acidentes, prejuízos, etc. Toda a experiência adquirida com esses problemas, na identificação das causas, em testes realizados, em inúmeras experiências feitas por profissionais altamente qualificados é transformada em requisitos e vão para as normas para que todos sigam esses aprendizados e não se repitam os problemas. Quem somos nós profissionais da empresa personagem desta história para dizer que aquilo que o inspetor da qualidade está dizendo é besteira, que o profissional só quer engessar as coisas, burocratizar os processos? São anos de aprendizado, anos de pesquisa, anos de testes e ensaios, profissionais do mundo inteiro unidos, como na elaboração da norma ISO 9001:2008 que envolveu mais de 20 países para nos dizerem o que fazer e, nós, querendo agradar o cliente, dizemos que sim à sua urgência sem lhe mostrar que há a necessidade de certo planejamento, de atender a certos requisitos. O cliente não entende as normas, não as conhece e, por isso, a nossa empresa personagem desta história deve demonstrar ao cliente todas as necessidades, tempos mínimos, opções, riscos para o seu equipamento, para o seu processo, etc. Se ele quiser fazer do jeito errado deve-se evidenciar isto e não assumir fazer a coisa errada sem o cliente saber quais os problemas decorrentes. A posição de não se respeitar as normas deve partir do cliente e não da empresa personagem da nossa história. Ele tem o direito de fazer errado, o custo X benefício é dele, não é responsabilidade da empresa personagem desta história tomar esta decisão para agradar um cliente que, depois do problema surgir, não mais ficará satisfeito. Aliás, a insatisfação de ver todo um trabalho jogado fora será muito maior do que a insatisfação inicial de ver um inicio de atendimento mais demorado. Preferível o cliente ficar bravo no início e depois ver o seu equipamento funcionando redondinho do que você atendê-lo imediatamente e depois a sua unidade ser comprometida após o serviço. Urgência não significa fazer de qualquer jeito. A norma, a regulamentação, os requisitos, nunca devem ser menosprezados independente da urgência. Ou se criam mais recursos para um atendimento imediato, ou se explica ao cliente que haverá uma demora inicial em planejamento, em qualificação, em documentação, etc., mas que é para se fazer direito e ele ter uma garantia maior de funcionamento. Já diz o ditado; “a pressa é inimiga de perfeição” e a perfeição é a maior aliada da qualidade e da imagem de empresa padrão.

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