sábado, 18 de julho de 2009

O Erro Humano e a Prevenção

No sistema da aviação tem-se falado muito em “culpabilidade”, em punição. Sim, a partir do momento que o homem falhou em algum momento do processo existe a razão de puni-lo. Será que é isto mesmo? Vamos começar com um exemplo clássico de dois acidentes envolvendo a mesma empresa. Dia 12/10/1999 a aeronave fazia a aproximação final para pousar em Uberaba e a tripulação conversava, brincava, não percebendo que realizava uma aproximação desestabilizada (alta e veloz,). Resultado, a aeronave não conseguiu parar e “varou” a cabeceira final da pista provocando avarias na mesma e sem ferimentos aos ocupantes. Dia 28/12/1999, uma outra aeronave da mesma empresa e mesmo modelo fazia a aproximação final para pousar em Curitiba e também a tripulação não percebia a aproximação desestabilizada. A aeronave tocou na pista com uma razão de descida tão forte que parte da fuselagem, dos motores para trás, quebrou e a cauda foi se arrastando pelo chão com um enorme buraco na parte superior, perda total da mesma. Digamos que a empresa, no primeiro evento, resolve-se punir a tripulação como “culpada” pelo acidente e pelo prejuízo. Teria sido evitado o segundo acidente? Era outra tripulação, outro avião. O que a empresa estaria fazendo com essas punições? Atacando o efeito e não a causa. O segundo acidente aconteceria do mesmo jeito, pois as causas continuariam no sistema, continuariam como falhas latentes prontas para surgir mais cedo ou mais tarde com outra tripulação. O ser humano é sujeito a erros, como se diz “Errar é Humano”.

ACIDENTE = FALHAS ATIVAS + FALHAS LATENTES

Falhas Ativas: cometidas por aqueles em contato direto com o sistema (pilotos, mecânicos, controladores, etc.). São erros ou violações que, quando somadas a outras condições, causam os eventos. Elas provocam um impacto imediato e direto, o acidente.

Falhas Latentes: são brechas, situações de risco dentro do sistema e ao se combinarem com as falhas ativas criam a oportunidade para o acidente. São derivadas de decisões tomadas pelas direções e níveis de gestão e são organizacionais. São geradas nas interfaces mais afastadas do sistema. Permanecem ocultas por longos períodos até se combinarem e provocarem a conseqüência.

Ao culparmos um piloto de não ter colocado a manete na posição correta o que veio a fazer com que a aeronave não entendesse a intenção de parar e provocando um grave acidente, estamos apenas atacando a Falha Ativa e não levamos em consideração as Falhas Latentes que o projeto da aeronave tem (ao permitir uma falha humana passar e se tornar um evento catastrófico), a Direção da empresa que pode não ter dado treinamento adequado para este tipo de evento, a operadora que liberou uma aeronave com fatores limitantes para uma pista crítica, as autoridades que não conservaram a pista adequadamente, etc. Tudo isto são falhas latentes, estas sim, em qualquer empresa, seja na aviação, seja na indústria devem ser identificadas, analisadas e eliminadas ou reduzidas. Na figura 1 pode-se ver que nenhum piloto, aqui se acrescenta qualquer ser humano, erra de propósito. Quando isso acontece é intencional, não é um erro, é falta de disciplina e, aí sim, merece ser punido ou acusado de responsável pelo evento. Ainda assim, outros níveis da empresa podem ser a causa raiz dessa indisciplina (pressão do prazo (tempo), pressão do chefe, pressão do ambiente (meteorologia, calor excessivo, etc.), que levam a pessoa a infringir as regras e ser indisciplinada).


Fig.01: Intencionalidade de um Erro Humano


O Erro é normal no comportamento humano, aliás, é com o erro que se aprende e que se torna um ser humano melhor. A grande maioria dos erros, conforme a figura 1 é inadvertida e são SINTOMAS e não a CAUSA do acidente. Por isso, quando um projetista vai projetar uma máquina, seja um avião, seja um torno, seja um instrumento de inspeção, deve ter sempre em mente que o usuário daquele produto um dia vai errar e provocar um acidente. Antigamente vários pilotos esqueceram de baixar o trem de pouso e pousaram a aeronave de barriga. Seria o correto demitir a todos? Criaram alarmes que, ao configurar a aeronave para pouso e se reduzir a potência, sem baixar o trem, um alarme toca avisando o tripulante. Esta é uma ação corretiva após se identificar que o Erro de esquecimento pode acontecer. Houve dois acidentes com uma aeronave grande devido ao piloto não ter colocado a manete na posição correta, quando a aeronave estava sem um recurso disponível e que levava os computadores a agirem de maneira contrária e a aeronave não conseguia parar. Porque não foi feito um bloqueio ou um alarme para impedir esse Erro Humano? Ocorreu então op acidente contado no início deste texto com várias fatalidades. Isto na indústria é comum, aplicam-se bloqueios chamados Poka Yoke para que o componente não seja montado errado. Na aviação, o projetista deve ter sempre em conta este foco de prevenção, imaginar onde o erro humano pode se somar a uma falha latente e virar um acidente.
Onde, na figura 2 pode se ver o piloto, o mecânico, o operador de uma máquina, o montador, o pintor, etc? Onde pode ser visto o que Erra e o que provoca a Falha Ativa? E as Falhas Latentes também não são geradas por Erros Humanos? Ou seja, temos o homem constantemente implantando Falhas Latentes que somadas aos próprios erros de atuação, Falhas Ativas, estarão provocando eventos nefastos para qualquer empresa e sociedade. Logo, todo o ser humano, em qualquer atividade, deve ser um teimoso identificador de Falhas Latentes, ou situações de Risco que poderão vir a causar um acidente, um prejuízo. Em cada processo, cada pessoa deve criar os filtros necessários para que o Erro Ativo não vire um acidente.

Fig.02: Erros Latentes e Erros ativos ao longo do sistema

Para termos um acidente, um evento negativo, precisamos ter o alinhamento de todos os erros ativos e latentes. Se tivermos o cuidado de identificar os “furos” nos elos e os tiramos do alinhamento não teremos o evento, como mostrado nas figuras 3 e 4 abaixo.




Fig.03: Falhas não alinhadas num sistema


Fig.04: Falhas alinhadas num sistema permitindo o evento


Todo um sistema organizacional, toda uma empresa, todo um departamento, todo um processo, são formados por diversos elos como uma corrente, conforme vemos na figura 5. Basta um desses elos, estar mais fraco, a corrente toda estará sujeita a quebrar. Os cuidados com o Fator Humano começam no planejamento estratégico de uma organização, passam pelo depto. de Projeto, pelo depto. De compras, pela Produção, pela área da Qualidade que vai inspecionar os materiais e produtos, etc. cada um destes elos ou discos vai estar sujeito ao Erro Humano e deve haver o cuidado constante em identificar os riscos (furos nos elos, elos enferrujados, etc.), “Risk Assessment”, analisar esses riscos, “Risk Analyse” e gerenciar os mesmos para fazê-los desaparecer ou mitiga-los (reduzi-los), “Risk Management”.

Fig.05: Elos fracos em uma corrente (sistema organizacional)

Fig.06: Motivos de se assumir um risco

Na figura 6 pode-se perceber que ninguém assume um risco sabendo que pode vir a provocar um acidente. Quando isso ocorre, ou foi indisciplina, ou foi motivação, um exibicionismo, por exemplo. Mesmo assim, estes dois fatores também têm influência por parte do sistema organizacional.

CONCLUSÃO: Quando uma organização passa por um evento negativo, seja um acidente, seja uma perda de um produto, um cliente insatisfeito, uma avaliação de estratégia incorreta e que originou em grande prejuízo, etc. deve sempre haver o cuidado de se identificar as causas raízes, as Falhas Latentes escondidas na organização. Não adiante acusar o piloto, o mecânico, o montador, o gerente, etc. se a organização tem riscos nos seus processos. O funcionário vai ser demitido, todos ficarão em alerta, não se repetirá o evento, até o relaxamento natural deixar o Erro Humano aparecer novamente. Somar-se-ão àquelas falhas latentes aguardando por anos e lá vem um evento igual. Quantos eventos são vistos e identificados como repetidos? Porque não houve a preocupação em se descobrir todos os riscos, todas as Falhas Latentes. Simplesmente se pensou em culpar o piloto, afinal morreu mesmo, fica mais fácil. Desde os acionistas da organização que dão os recursos, os diretores que implantam culturas organizacionais seguras, projetistas que se preocupam com o Erro Humano, real e sempre existente, com o fabricante que se preocupa em fazer conforme os procedimentos, com os inspetores que se preocupam em identificar novas possibilidades de Erros Humanos nos materiais, processos e produtos, etc. Quando um produto sofre um acidente, uma quebra, um defeito, todos os elos da corrente do sistema organizacional devem ser investigados em busca dos erros latentes, estes sim são críticos, pois estão escondidos.

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